Um Nuremberg às avessas Por Roberto Numeriano, em artugo enviado ao blog Os dois debates na Câmara Federal e no Senado (este ainda em curso), a respeito dos pontos sobre os quais assentam e foram formalizados os relatórios para a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma, assemelham-se a uma farsa política grotesca, à luz do bom Direito e sob os limites do que é moral e justo.
Este sentimento tornou-se uma convicção quando percebi que os infames algozes golpistas (grande parte deles incursa em bandidagens que em breve serão devidamente apuradas e punidas) não estavam / estão ali para ouvir a defesa já quixotesca da “ré” dessa perversa e vil inquisição política de que é vítima a presidente da República e o Poder Executivo como instituição do Estado de Direito democrático.
Bem de acordo com o ato em si desse “julgamento” imoral, essa grande parte (travestida toscamente de verde e amarelo naquele festim diabólico) esteve / está ali para tripudiar, humilhar e perseguir uma mulher honrada. (Não tenho dúvidas de que há, ainda, no afã odioso do golpe, um componente sexista vingativo de muitos desses “machos” que não suportam uma mulher como a maior mandatária da nação).
Mas o meu sentimento sobre o processo do golpe também me fez recordar algo que li (em livros clássicos de Ciência Política) e vi (em documentários e/ou filmes), a respeito dos julgamentos de Nuremberg.
Este é o nome da cidade que sediou os julgamentos dos nazistas e colaboradores incursos nas acusações de crimes de guerra e genocídio.
Tais nazistas (alguns deles assassinos e/ou genocidas da máquina de guerra de Hitler), eram seriamente ouvidos pelas partes (acusação e defesa), diante dos juízes de várias nações.
O tribunal de Nuremberg devia ser levado a sério porque julgava-se ali não apenas monstros sanguinários e cruéis, mas também uma razão política ideologicamente inspirada.
Uma razão, por assim dizer, assassina.
Todos sabiam, à partida, que os réus eram realmente culpados dos crimes pelos quais a promotoria acusava-os, mas era justo e necessário considerar com rigor a presunção de inocência dos mesmos, como requer o bom Direito – e o que ele contém de moral e legítimo – para ser exercido em plenitude.
O que tenho visto no Brasil do golpe travestido de impeachment é um Nuremberg às avessas.
Centenas de políticos (e, dentre tantos, dezenas de refinados patifes e filisteus políticos), reuniram-se para condenar, à priori, a “ré”.
Nenhum desses perversos, desses inquisidores, desses imorais, leva a sério o processo em si e suas formalidades.
Claro: pessoas imorais não conseguem julgar moralmente.
Essa grande parte (a maioria, de fato) está ali encenando o ato político de um golpe de Estado parlamentar que sequer leva a sério o argumento da defesa.
Para o diabólico festim do golpe em curso, tais sessões (pelo menos até este dia, 04/05) são um verniz para tentar disfarçar a podridão de um parlamento de dezenas de corruptos empunhando a bandeira do “combate à corrupção”.
Na prática, uns tipos justiceiros vão, lentamente, chacinando a pessoa e a chefe de Estado e Governo, sob o beneplácito e campanha direta e indireta da “grande imprensa” (com a velha Rede Globo golpista à frente). É como se os nazistas de Nuremberg, por uma mágica infernal, passassem a julgar suas vítimas.
Os judeus, os aleijados e cegos, os homossexuais, os comunistas, os liberais – todos novamente julgados para morrer uma segunda morte.
Não tenho dúvida de que o crime e o criminoso estão, neste instante histórico, encenando no país (para minha vergonha e de todos os que lutam pela democracia e legalidade) um espetáculo infame e covarde.
E por isso (para além da condição profissional de cientista político) como cidadão eu sinto até nojo desses tipos que, derrotados em 2014, já desfilam na mídia negociando os cargos que, descarada e cinicamente, começam a usurpar.
A infâmia, o engodo e a imoralidade desse golpe (uma vez consumado) vai pesar sobre a nação como uma vergonha talvez maior do que a memória da ditadura de 1964.
Ao fim e ao cabo, nada disso me surpreende.
E somente o ódio e o preconceito podem explicar a insanidade golpista na forma e no conteúdo dos seus atos.
Há quem negue o Holocausto dos judeus durante a II Grande Guerra.
Já estão por aí os que negam o golpe de Estado parlamentar, imoral e inquisitorial.
O golpe de 1964 também quis se chamar “revolução”.
Mas a história (essa velha dama que nunca se deixa ludibriar pela mentira) registrou a verdade do que hoje lemos nos livros.
Houve apenas um Nuremberg.
E neste a verdade prevaleceu.