Por Ayrton Maciel, jornalista, especial para o Blog Por 500 anos, o domínio das elites escravocratas de São Paulo, estereotipadas nos barões do café da Avenida Paulista - hoje reunidos em uma federação de indústrias, representante do preconceito e da grande desigualdade nacional -, liderou o Brasil com suas ideias e conceitos, aliado às elites canavieiras das casas-grandes nordestinas, em uma e outra época de domínio econômico, mas de igual pensamento preservado sobre o País.

O tráfico de escravos durou 300 anos, mas a mentalidade é uma herança de cinco séculos.

Em 2002, o povo descendente decidiu, por imensa maioria de 50 milhões de votos, mudar a sua história estereotipada desde o período colonial - numa passagem para uma nova Era, inclusiva e contemporânea em relação ao mundo -, elegendo para a presidência da República o operário metalúrgico e sindicalista, ex-retirante nordestino, Luiz Inácio Lula da Silva.

O Nordeste, e Pernambuco é o maior exemplo, por ser o Estado mais beneficiado, não é o mesmo de 14 anos atrás, nas bases da economia, na infraestrutura, no campo acadêmico, na rede de apoio social e na realidade da ascensão das classes mais pobres.

Ao eleger Dilma Rousseff como a sua sucessora, em 2010, o presidente Lula buscou garantir a continuidade desse projeto de deslocamento social para cima, reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) o maior do mundo na Era recente e um exemplo para os países marcados pela desigualdade, em desenvolvimento ou de baixo crescimento.

As estruturas foram preservadas, mas o mundo entrou em crise econômica, aberta pelos Estados Unidos em 2008, da qual o Brasil se imunizou, inicialmente, com medidas imediatas adotas pelo ex-presidente Lula e mantidas por Dilma.

Essa imunidade não seria para sempre.

Com o mundo ainda em crise econômica e desemprego, crise agravada pelas migrações causadas por guerras, terrorismo e catástrofes naturais, os reflexos inevitavelmente iriam atingir o Brasil, apesar das medidas de proteção adotadas.

Erros sempre ocorrerão, mas a verdade é que a intenção de um país mais justo foi resguardada neste projeto que elevou o Brasil a um patamar maior de respeito e admiração internacionais.

Não se esperava, porém, que uma derrota nas urnas, em 2014, não fosse absorvida democraticamente por uma oposição que, significativamente, é a herdeira e representante daquelas elites cafeicultoras e das casas- grandes que ultrapassaram seus tempos.

Não se esperava que o ódio de classe se sobrepusesse às regras de convivência democrática pós-colonial, capaz de não aceitar as diferenças em um mesmo ambiente e em igualdade - nos aviões e shoppings, por exemplos -, e capaz de desconsiderar a chance de se ter uma sociedade mais harmônica.

O tráfico negreiro durou 300 anos, mas a mentalidade não foi apagada.

Ao querer transformar falhas econômicas, passíveis em qualquer país, e, principalmente, regras contábeis em contas públicas - executadas inclusive por governos anteriores - em “crimes de responsabilidade” e deflagrar uma crise política em meio à crise econômica, a oposição quis apenas atar e derrotar, em um terceiro turno, o governo Dilma, e a longo prazo inviabilizar a possibilidade de continuidade renovada desse projeto de sociedade.

A escravidão foi formalmente abolida há 128 anos, mas a mentalidade escravagista das elites nacionais ainda não está enterrada.

A divisão da riqueza nacional é uma luta permanente, luta por uma sociedade mais igualitária e justa, e essa luta não se resume a dois governos.

A prática do trabalho análogo à escravidão ainda sobrevive, assim como o pensamento análogo ao escravagismo.

A etapa do pedido de impeachment na Câmara Federal foi denunciadora dessa nossa formação conservadora.

Uma maioria babando em ódio representou o pensamento dessas elites.

A presidente Dilma não se rende, está claro por sua história.

Deve lutar no Senado - e em qualquer instância - pela legitimidade de seu mandato e pelo respeito à democracia e à Constituição.

Essa é a esperança de milhões que aboliram as algemas de uma vida social injusta.