Por Samuel Pessoa, economista Fato curioso é a composição socioeconômica das manifestações contra e a favor do impedimento da presidente.

Ambas reúnem majoritariamente pessoas ricas, brancas e de mais idade.

A divergência marcante entre as duas turmas é a presença muito maior de servidores públicos nas manifestações contrárias ao impedimento.

Na terça (29), o jornal “Valor Econômico” publicou entrevista com Renato Meirelles, presidente do Instituto Data Popular.

O ponto alto da entrevista foi a afirmação de que “é impossível entender o que acontece hoje sem voltar um ano e meio atrás, quando a oposição conseguiu perder uma eleição em que 73% dos eleitores queriam mudança”.

A vitória de Dilma, além da profusão de mentiras e da campanha suja promovida por João Santana, deveu-se à incapacidade que a oposição teve de convencer a população de que o esforço por medidas que visem reduzir a desigualdade e aliviar a pobreza continuariam.

Como destaca Meirelles, provavelmente a ausência da classe C –que está muito descontente com o governo– das manifestações favoráveis ao impedimento resulta da mesma dúvida: o que ocorrerá com programas como o Fies, com a troca de governo?

Essas dúvidas os afastam das ruas.

Como aponta Meirelles, dos 80% que desaprovam Dilma, 36 pontos percentuais correspondem aos que não gostam de Dilma e também não gostam do ProUni, do Fies, do Mais Médicos e das cotas nas universidades.

Os outros 44 pontos desaprovam Dilma exatamente porque houve pé no freio desses programas!

Ou seja, o país está rachado, mas não é essa rachadura que se exibe na divisão de quem vai para as ruas.

A rachadura encontra-se no papel do setor público.

Parcela da sociedade que deseja o impedimento quer menos Estado e menos impostos.

A outra parcela, que se encontra silenciosa, mas decepcionada com a presidente, quer mais Estado.

Parece difícil conciliar interesses aparentemente antagônicos, mas a arte da política é a construção de consenso.

O contrato social possível para juntar os dois grupos é o aumento da eficiência do setor público.

A necessidade de reformar o Estado brasileiro unifica as turmas.

Um primeiro item dessa agenda já foi identificado: reduzir ao mínimo o intervencionismo estatal no funcionamento dos mercados, dispendioso e ineficiente em dimensões superlativas.

Temos que nos desfazer de desonerações estúpidas, subsídios monstruosos do BNDES sem nenhum impacto sobre a produtividade e outras políticas de incentivos à produção que custam muito e não apresentaram nenhum resultado visível.

O Estado de bem-estar e o nacional-desenvolvimentismo não cabem no Orçamento.

Um segundo item da agenda é reformar o funcionamento do Estado.

Esse processo está parado desde o governo FHC e precisa ser retomado: modernizar toda a gestão de pessoal do serviço público, votar lei de greve de servidor que proteja os interesses dos cidadãos e criar e adotar como prática corrente a avaliação das políticas públicas com regras legais que garantam o encerramento dessas políticas, ou porque atingiram seus objetivos ou porque não funcionaram, entre outras providências.

Adicionalmente, temos de cortar programas caros que atendem à classe A, como universidade pública gratuita para quem estudou em escola particular.

Essa agenda unifica os 80% que estão descontentes com o governo Dilma: fortalece o Estado e garante a aceleração do crescimento. É formado em física e doutor em economia pela USP e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.