A era do terror (Um golpe a galope) Por Roberto Numeriano A ação arbitrária e ilegal do juiz Sérgio Moro, autorizando e divulgando escutas ilegais nas quais a presidente da República conversava com Lula, é o sinal puro e simples da era do terror que um misto de arrogância, hipocrisia, narcisismo e crime instaurou no país.
Há quem considere que esse juiz arbitrário, que nesse caso (e na condução coercitiva do ex-presidente Lula) desonrou a magistratura com decisões claramente ideologizadas e persecutórias, seja um herói da pátria, um exemplar servidor do Direito.
Do mesmo modo, houve, quando parte do Exército Brasileiro golpeou com os civis as instituições em 1964, em nome do combate à corrupção e ao “comunismo”, quem saiu às ruas vociferando pela ordem e democracia, considerando os golpistas como salvadores da pátria.
O fato é que as ordens recentes desse “herói” são uma clara afronta criminosa à Constituição Federal, um gravíssimo precedente golpista que inocentes úteis e pessoas de formação autoritária pretendem justificar porque do outro lado está um “culpado de sempre”, como no final do filme Casablanca.
Esse pedante e arbitrário juiz, se estivéssemos numa democracia real e sólida, estaria desde já encarcerado pela escuta ilegal; ele e todos os agentes federais que claramente não se recusaram a cumprir uma ordem claramente ilegal e persecutória, atingindo a inviolabilidade do Poder Executivo.
Estamos vivendo uma era do terror com base no Direito sem Justiça, como numa França do terror de Robespierre.
Deslumbrado pela fama que as ruas conservadoras lhes empresta, esse Robespierre é hoje um justiceiro, um tipo de juiz que não decide com isenção e à luz do bom Direito, se do outro lado está alguém como Lula, um “perigoso bandido de esquerda” que a voz dos reacionários quer ver condenado sem o devido processo legal baseado na ampla defesa.
Essa voz e esse juiz não se importam se correr sangue nas ruas, desde que não seja o seu sangue ou de seus parentes.
Essa voz e esse juiz não se importam se o país convulsionar-se e instaurar-se uma espécie de guerra civil branca onde, desde agora e para sempre, os brasileiros ficarão divididos.
O que me assusta (coisa que jamais imaginei voltar a sentir como cidadão) é que as suas flagrantes ilegalidades relacionadas aos dois casos estão sendo naturalizadas pela esmagadora maioria de uma mídia golpista (fascista, mesmo), onde sobressai essa excrecência jornalística chamada Rede Globo, o empresariado que até dia desses tinha Lula como grande presidente, juristas reacionários e instituições claramente ideologizadas à direita.
Distorcem, falseiam e mentem com o típico cinismo de quem sabe que nada lhes acontecerá, seja na esfera penal ou administrativa.
Não há limites para quem aposta no recurso do golpe jurídico.
Não são necessários fuzis, tanques, terror de porões; basta o jornalismo venal e mentiroso (o tosco William Bonner, no primeiro passo do golpismo, chamando a presidente Dilma de Fernando Henrique Cardoso, diz tudo por si mesmo), OAB’s acima do bem e do mal (faz tempo que essa OAB não me engana), as FIESP’s de sempre e a plateia de inocentes úteis batendo panelas nos apartamentos, basta a conjuração maléfica desses elementos, martelando-os dias a fio, hora a hora, para urdir as bases do golpe jurídico que decerto vai empossar uma junta de probos e inatacáveis políticos do PSDB, do DEM, do PMDB, do PSB e da restante escumalha de um sistema político-eleitoral podre na sua essência.
Não sou lulista.
Não me defino nem aceito ser definido por “ismos”.
Mas não precisaria ser petista para saber a diferença entre quem é esse juiz arbitrário e o que está por trás daqueles que apoiam suas decisões justiceiras.
Basta ser democrata.
Fica um lembrete para esse Robespierre tropical: a cabeça do revolucionário francês também rolou no cadafalso, ao fim da era do terror.
Não vai ter golpe. É possível que ainda existam juízes em Berlim.
Roberto Numeriano apresenta-se como doutor em Ciência Política pela UFPE e autor do livro O Que é Golpe de Estado, pela Editora Brasiliense (em co-autoria com Mário Ferreira).