Por Carlos Andreazza, na Folha de São Paulo Concordo.

A fotografia da família carioca servida de uma babá uniformizada a caminho da manifestação de domingo (13) é poderosamente representativa.

Retrato, porém, não dos que protestaram livremente, mas daqueles que perderam o controle da narrativa escrita nas ruas.

Nunca antes na história deste país uma derrota passou tanto recibo (não houve caixa dois.) Associada à ideia de relação escravista, a exploração histérica da imagem reagiu à constatação de que elite nenhuma no mundo é capaz de reunir milhões de pessoas; sobretudo, expôs uma militância desesperada, que nada entende sobre o país em que vive e sobre o povo que pretende proteger.

A preocupação, claro, nunca foi a babá -que está bem, empregada, com carteira assinada e impostos recolhidos, que valoriza a relação formal eletiva que estabeleceu com os patrões, que emprega, ela mesma, alguém para cuidar de seus filhos e que se declara, atenção, a favor dos protestos.

Angélica…

Ninguém entre os indignados seletivos estava interessado nela.

Importava o quadro.

Jamais tantos Debret e Rugendas circularam pelas redes sociais -iconografia destinada à distorção que ainda garante uns milhões à indústria dos fabricantes de oprimidos e de protetores de oprimidos.

A fotografia, então, era comparada a telas em que escravos carregam seus senhores em liteiras.

Gente bacana embarcou nessa.

Reagiam à percepção de que havia nas ruas bem mais do que burgueses zelosos de seus privilégios de classe -leitura que suponho assustadora para quem se julga dono e controlador das massas.

Era o povo, mané!

Não tardou, portanto, para que pipocasse o tipo doente da hora, milho maduro num país em que cindir a população é política de Estado: o camarada que, em meio a uma manifestação de brasileiros, quantifica negros para comprovar uma tese.

A mobilização urgente desses recenseadores ideológicos programados para forjar o “nós contra eles” é outro instantâneo do desespero.

Registra o chororô dos que sentem murchar os instrumentos por meio dos quais exercem poder.

Assim, são capazes de transformar o Brasil numa Noruega para que 5 milhões de pessoas reunidas país adentro passem por ricos opressores de olhos azuis.

Não é que tenham perdido o domínio da narrativa costurada no chão, entre as gentes. (Angélica tem escolha e não está nem aí para vocês.) Perderam-se até dos mais elementares recursos da mistificação, aqueles que simulavam pisar na realidade.

Não os encontrarão novamente.

Não enquanto tiverem de negar o que o delator gravou.

Não enquanto carregarem passivo tão pesado, essa jararaca a subjugá-los.

E ainda há, no caráter das manifestações em curso, a cultura da independência -o repúdio à figura de qualquer político que tenha sido omisso ou passivo diante da sucessão de crimes ora descortinados.

Aécio e Alckmin foram hostilizados e, embora o tenham sido por 4 ou 5 milhões a menos de pessoas do que Dilma, o desprendimento dos manifestantes causa curto-circuito naqueles que precisam atribuir a uma população moralmente indignada o símbolo de partidos adversários.

Ufa!

Compreendo que não seja fácil assimilar tanta coisa e uma derrota de tal magnitude.

Foi golpe mesmo.

Como não?

A maior manifestação pública da história do Brasil não apenas não teve os que se consideram proprietários da voz das ruas como foi contra eles e tudo quanto significam.

Que pernada!

Carlos Andrezza, 36, é editor-executivo da Editora Record