Por Renato Oliveira Rocha O último ato do espetáculo em andamento que assistimos desde o início da Operação Lava Jato, com a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo de ministro chefe da Casa Civil pode ser explicado não com provas materiais nem grampos telefônicos, mas sim com um romance: Esaú e Jacó, de Machado de Assis.
Neste momento de efervescência política e, sobretudo, de ânimos à flor da pele, o leitor mais esquentado poderia se perguntar: mas o que é que o Bruxo do Cosme Velho tem a ver com Lula, Dilma, Aécio, PT, PSDB?
Pois é bom se acalmar e se preparar para saber que Machado tem muita coisa a ver com isso.
E não se trata aqui de um envolvimento do escritor com escândalos nem de uma delação premiada por parte deste que escreve.
Para compreender o jogo político do momento, é preciso voltar às origens disso que chamamos República e que, volta e meia, tentam transformá-la em ditadura.
A transição da Monarquia para o sistema de governo atual gerou muita desconfiança entre a população que era adepta ao regime antigo e se viu obrigada a render-se aos ideais republicanos.
E é aí que entra Machado de Assis: em sua penúltima publicação, de 1904, Machado utiliza como pano de fundo o período compreendido entre os anos finais da Monarquia e o início da República no Brasil para organizar a história dos gêmeos Pedro e Paulo.
Os interesses particulares das personagens e a rivalidade dos gêmeos vão dialogar com o período político retratado e, nessa trama, o narrador dispõe as peças/personagens de maneira a configurar um verdadeiro jogo narrativo.
Sabe-se do interesse de Machado de Assis pelo jogo de xadrez, fato que o fez figurar no cenário desse esporte intelectual no século XIX, por propor problemas e por participar do primeiro torneio enxadrístico no Brasil em 1883, no qual ele ficou em 3° lugar.
Essa imagem do xadrez deixa em evidência os contrastes entre preto e branco, Deus e o Diabo e possibilita estabelecer uma ligação com o jogo político que ocorria na época entre os que jogavam no time da Monarquia contra os defensores da camisa Republicana e, também, de Pedro e Paulo. É o caráter lúdico do romance que o configura como um tabuleiro de xadrez e cabe ao leitor chegar ao resultado do problema proposto – o que não se realiza no romance.
Já na realidade de 2016, o jogo ainda está longe do fim.
Retrocedendo ainda mais no tempo, chegamos à narrativa bíblica dos gêmeos Esaú e Jacó, no livro do Gênesis.
Desde a gestação, os gêmeos brigavam no útero materno, rivalidade que foi se agravando com o tempo.
Jacó, com a ajuda de sua mãe, Rebeca, engana o irmão Esaú, que cede o direito à primogenitura em troca de um prato de lentilhas.
Desse desentendimento, descenderam as doze tribos de Israel, originadas de cada um dos doze filhos de Jacó, o patriarca.
Voltando ao século XIX, no romance de Machado, acompanhamos que as preferências políticas dos irmãos se acentuam, sobretudo, quando a narrativa se aproxima do dia 15 de novembro de 1889.
Pedro representa o Império e fica no Rio de Janeiro para estudar Medicina; Paulo, republicano, vai para São Paulo tornar-se bacharel em Direito.
Para acirrar ainda mais a rivalidade de ambos, surge Flora, nascida no ministério do Rio Branco.
A filha do casal D.
Cláudia e Batista – bem decididos em relação à política (ou em que esta puder lhes favorecer) – se mostra indecisa em relação aos gêmeos.
Tamanha indecisão leva a moça à morte e a relação conturbada dos irmãos desgasta a saúde de sua mãe, Natividade, a quem prometem, em seu leito de morte, tornarem-se amigos.
Promessa esta que não foi cumprida, uma vez que, tendo tornado-se deputados, ambos continuavam a discordar e a competir entre si.
A resposta para compreender o período de transição da Monarquia para a República foi dada, no romance de Machado, pelo Conselheiro Aires no capítulo 64 (“Paz”): “Nada se mudaria; o regímen, sim, era possível, mas também se muda de roupa sem trocar de pele.”.
Essa imagem tem o poder de demonstrar a origem das “ideias fora do lugar”, para lembrar a expressão de Roberto Schwarz, e como a acumulação dos problemas sociais se configura na atualidade.
Atualidade esta que se mostra presente na obra de Machado de Assis, em Esaú e Jacó, especificamente, uma vez que a sociedade brasileira ainda recorre às “trocas de roupa” para se adaptar a uma determinada situação.
Este é o ponto no qual o romance machadiano do início do século XX desvenda os problemas deste começo de século XXI brasileiro.
Não à toa Aécio Neves, após a homologação da delação premiada de Delcídio do Amaral (que desfiliou-se formalmente do Partido dos Trabalhadores após o ocorrido) veio a público, em explicação sobre o envolvimento de seu nome nos escândalos, dizer que continuaria onde sempre esteve: combatendo o PT, Delcídio e a presidenta Dilma.
Ou seja: a delação foi vista como algo positivo aos opositores que querem o impeachment da presidenta, mas, em relação aos pontos desagradáveis ou prejudiciais às ambições do PSDB, deve-se repudiar ou dar menor importância a tais fatos. É o que ocorre do outro lado: os aspectos que o PT acredita serem importantes são aproveitados e os demais, tratados como argumentos que não se sustentam e isso não traz resultados capazes de mudar a estrutura básica da sociedade, apenas uma troca de roupa capaz de mudar a aparência externa sem deixar de ser a mesma em sua essência e com todos os seus problemas, reflexos de uma jogada bem executada para manter as coisas da mesma forma.
Sendo assim, o jogo narrativo estabelecido por Machado de Assis termina empatado; porém, é preciso reconhecer o xeque-mate que o autor dá no leitor a cada nova leitura.
Dentro os interesses de oposição e situação estão a saída da crise econômica e uma possível “blindagem” do ex-presidente Lula agora ministro, para os membros da situação.
Já para os opositores, é uma oportunidade de acelerar o processo de impeachment da presidenta. É estarrecedor é o fato de os deputados federais, em sessão que é transmitida ao vivo pela TV Câmara dizerem que não vão votar projeto algum porque o que há de mais importante a se fazer é instaurar o processo contra Dilma Rousseff.
Mais estarrecedor ainda é o deputado federal José Augusto Rosa, o Capitão Augusto (que é filiado ao Partido da República por São Paulo), subir à tribuna para anunciar com entusiasmo que está próxima a criação do Partido Militar Brasileiro para o qual ele irá se transferir – ou pelo qual trocará a casaca.
Diante do exposto, poderíamos recair na adjetivação de Machado de Assis como gênio, visionário ou qualquer outra característica que nos faça esquecer que ele, em Esaú e Jacó, foi um analista agudo da sua, da minha e da nossa realidade e que PT, PSDB em sentido amplo são gêmeos que se odeiam por causa de suas semelhanças de conduta, sobretudo.
O que é possível, no momento, é sugerir a Deputados, senadores e à classe política em geral que parem tudo o que estão fazendo e leiam diretamente este livro de Machado de Assis para, quem sabe, colocar um ponto final no jogo e fazer com que a disputa traga benefícios para a população que não se beneficia com tais intrigas.
Renato Oliveira Rocha é Mestre em Estudos Literários pela UNESP de Araraquara e graduado em Letras pela Unesp de Assis.