Foto: Reprodução Por Gerson Batista Filho, engenheiro civil e sanitarista, especial para o Blog Zika Vírus: a batalha é outra Mais uma vez aconteceu.

No Brasil, quando ocorre uma epidemia, seja biológica, seja social (violência, alcoolismo, etc.), o Estado – ou seus autoproclamados dirigentes (Donatários) - se exime completamente de suas responsabilidades de gestor, com a prevenção e combate a esses problemas e passa a atacar apenas seus sintomas, demonstrando à população um falso cuidado, o que não caracteriza a adoção de uma política pública de proteção ao cidadão.

Isto se deve, principalmente, à sua pura incompetência histórica para atuar em defesa da população.

Ou seja, o Estado Brasileiro se transformou numa enorme estrutura confiscatória, eufemisticamente denominada de ‘arrecadadora de impostos, taxas e contribuições’, mas que não é capaz de fazer uma consulta cardíaca num prazo inferior a 60 dias no sistema público de saúde, nem de renovar o Crédito Educativo dos estudantes que necessitam cursar universidades particulares.

A novidade agora é o surto de microcefalia que assola o país, provocado por um mosquito que adora habitar países tropicais, bonitos por natureza e com governos incompetentes.

De acordo com Rosen (Rosen, G. – Uma história da saúde pública, Husitec, Rio de Janeiro, 1994), “o padrão de adoecimento que caracteriza qualquer grupo de pessoas nunca é casual.

Em termos gerais, ele está associado com o nível de desenvolvimento social e técnico da população e está significativamente relacionado com os valores prevalecentes do grupo.” Não é à toa, portanto, que a maior incidência se verifica, inicialmente, nos estados mais pobres do País.

Vamos lá.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde – OMS –, este surto, que pode se transformar em epidemia no Brasil, como a filariose que se tornou endêmica em algumas regiões, pela presença da muriçoca – Culex quinquefasciatus – tem como agente etiológico o mosquito Aedes aegypti, frequentador assíduo de ambientes úmidos e quentes e responsável pela dengue, pela febre chikungunya e pelo vírus zika, principal causador da microcefalia.

Esse mosquito é originário do Egito e se dispersou pelo continente africano, principalmente na Uganda e Micronésia, não por coincidência, devido à sua quase total falta de saneamento básico e ao baixo índice de escolaridade de sua população, ou seja, devido à insalubridade de uma região quente e úmida.

Tais características são compartilhadas, tristemente, pelas populações africana e brasileira na incapacidade ao ataque a um vetor que praticamente não se encontra mais nos países mais evoluídos, onde o Estado protege seus cidadãos, a não ser em museus de ciência.

O combate definitivo a esse agente inclui, principalmente, o bloqueio do acesso do mosquito aos depositórios de água, reservatórios domiciliares e poças d’água formadas pela deficiência da drenagem pluvial, coisas que são comuns nas áreas urbanas em consequência direta do descaso do Poder Público com o saneamento básico no país.

De acordo com o Instituto Trata Brasil, em 2014, o Brasil ocupava a 112ª posição em um conjunto de 200 países na questão do saneamento básico.

Um dos motivos para que o saneamento não melhore no Brasil é a falta de investimento, pois para solucionar o problema é preciso investir o que foi arrecadado com os serviços e isto não acontece no Brasil.

O levantamento do Trata Brasil indica que houve pouca preocupação na questão de infraestrutura de saneamento entre 2011 e 2012.

A maioria dos 5.550 municípios investiu menos do que 20% da arrecadação, por falta de controle, fiscalização e planejamento.

Na faixa oposta, apenas nove municípios aplicaram mais de 80% do que arrecadaram em melhorias.

Há que ser levado em conta que o saneamento básico enfoca os quatro aspectos diretamente ligados a essa ideia.

No Brasil, esse conceito está estabelecido pela lei nº 11.445/2007, compreendendo o conjunto de serviços estruturais de (1) abastecimento de água, (2) esgotamento sanitário, (3) manejo de resíduos sólidos e (4) drenagem de águas pluviais urbanas.

Qualquer consulta a dados confiáveis relativos a esses serviços mostra o imenso déficit que existe no País entre intenção e gesto.

Tem-se, então, como resultado, o acúmulo de águas em locais indevidos, criadouros naturais do Aedes aegypti, principalmente, nas áreas urbanas brasileiras.

Constatam-se, então, entre outros, os seguintes fatos: Que as perdas d’água e a falta de investimento nas unidades de produção contribuem substancialmente para que a população tenha que suprir as suas necessidades individual e precariamente.

Por exemplo, o instituto Trata Brasil identificou como as capitais que mais perdem na distribuição as seguintes: Recife, que perde 59,8%, Boa Vista (54,9%), Cuiabá (67,4%), Macapá (69,4%) e Porto Velho (70,7%); Que a necessidade da população de armazenar água para seu abastecimento, em virtude da intermitência do atendimento, ajuda a transformar os vasilhames utilizados para este fim em abrigos seguros do mosquito Aedes aegypti; Que a cobertura dos sistemas de coleta e tratamento de esgotos sanitários nas cidades brasileiras é insignificante, o que acarreta duas consequências principais: (1) o lançamento desses esgotos a céu aberto nas vias públicas, em terrenos baldios ou nas galerias pluviais, quando existem e (2) o uso de fossas sépticas que representa uma solução não recomendável na maioria das regiões do Brasil.

O resultado é o acúmulo de esgotos nas vias públicas ou nos cursos d’água, o que favorece a proliferação dos mosquitos e, por fim, Que muitos outros focos detectados são encontrados nos despejos de resíduos sólidos lançados, também, nos terrenos baldios e nos quintais das residências.

Aqui, é importante observar que este fato é uma decorrência direta do baixo nível educacional da população, que não criou o hábito do exercício da cidadania e que foi acostumada a depender do Estado como “mentor e preceptor de todos os cidadãos”, a exemplo do estado stalinista.

De acordo com o Portal Brasil da Presidência da República, entre 2003 e 2013, o número de domicílios urbanos com redes coletoras de esgotos ou fossas sépticas passou de 32,8 milhões para 47,3 milhões.

O índice corresponde a 84,17% das áreas urbanas.

O percentual de domicílios urbanos abastecidos por rede de distribuição de água e com canalização interna aumentou de 89,55% para 93,13% no mesmo período.

O salto foi de 38,1 milhões para 52,4 milhões de domicílios com acesso a rede de água no período, beneficiando mais de 42,9 milhões de pessoas.

No entanto, esses números são falaciosos, pois as redes coletoras aludidas são, no mais das vezes, redes de galerias pluviais, que, pelas leis brasileiras, não podem receber contribuições de esgotos (sistema separador absoluto).

Da mesma forma, as fossas referidas não são sépticas e sim fossas negras que não são aceitas pelas Normas Brasileiras.

Num e noutro caso, o resultado é o convite (como uma verba indenizatória) ao Aedes aegypti, que antes habitava apenas águas limpas e que atualmente já se adaptou à realidade das águas sujas brasileiras, onipresentes nos grandes centros urbanos. este problema pode ser avaliada pelas declarações do Excelentíssimo Ministro da Saúde, Marcelo Castro: “A gente vinha combatendo, mas não era aquele combate para vencer” (Revista Época, 913, 7/12/15) e que o “zika vírus é o inimigo nº 1 da saúde pública no País e o governo colocará Exército e Defesa Civil para combater o Aedes aegypti”.

Ele não se refere às causas do problema, porque essas causas expõem a profunda repulsão que o Estado Brasileiro tem e sempre teve à população que não pertence à Corte (como nas Capitanias Hereditárias).

Além do mais, as ações paliativas têm se mostrado muito mais lucrativas para quem não sabe e não é capaz de trabalhar honestamente para viver.

Não adianta o Estado jogar a responsabilidade do combate ao mosquito apenas para a população, cobrando dela ações que deveriam ser compartilhadas com ele próprio, e que não podem ser esperadas de quem só teve e tem acesso a uma educação de padrão subsaariano.

A participação popular, assim como o uso de vacinas, é absolutamente necessária, mas não suficiente.

São necessárias medidas preventivas, de longo alcance, que evitem a repetição periódica de surtos desta natureza, ou seja, que garantam a salubridade ambiental, definida pela Fundação Nacional de Saúde – FUNASA – como “o estado de higidez em que vive a população urbana e rural, tanto no que se refere à sua capacidade de inibir, prevenir ou impedir a ocorrência de endemias ou epidemias veiculadas pelo meio ambiente, como no tocante ao seu potencial de promover aperfeiçoamentos de condições mesológicas favoráveis ao pleno gozo de saúde e bem-estar” (FUNASA – Fundação Nacional de Saúde.

Manual de saneamento. 3 ed.

Brasília: FUNASA, 1999).

Diante do exposto, fica muito claro que o combate efetivo e definitivo ao Aedes aegypti não pode e não deve ser feito, apenas, por tropas do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica, pois os mosquitos Aedes aegypti nunca serão debelados por seus disparos, mas principalmente pela educação e pelo saneamento.