Por Reinaldo Azevedo, na Folha de São Paulo A racionalidade aponta que Marcelo Odebrecht chegou a uma encruzilhada: ou vai ser o anti-herói por excelência dessa quadra infeliz da história brasileira, arcando com o peso de muitos anos de cadeia e condenando a verdade à poeira do tempo, ou contribui para elucidar os fatos.
Farei agora uma aparente digressão para chegar à essência da coisa.
Há eventos que, na sua singularidade até besta, indicam uma mudança de estágio.
Algo aconteceu nas consciências com a prisão do marqueteiro João Santana e de sua mulher, Mônica Moura.
E com poder para incendiar de novo as ruas.
O decoro, meus caros, é sempre uma necessidade.
O que a cultura nos dá de mais importante é um senso de adequação, mesmo nos piores momentos, nos mais constrangedores.
Nunca se viram no Brasil presos como João e Mônica.
Ele surgiu com o rosto plácido, sorridente, como se estivesse no nirvana.
Ela, mascando um chiclete contidamente furioso, exibia um queixo desafiador.
Nem um nem outro buscaram ao menos fingir a compunção dos culpados quando flagrados ou dos inocentes quando injustiçados.
O pesar, quando não se é um psicopata, não distingue culpa de inocência.
Mesmo os faltosos não escapam da vergonha se expostos.
Coloque-se no lugar de um preso, leitor.
Não deve ser fácil ter de lidar com a censura, a decepção e a tristeza daquelas pessoas que compõem a sua grei sentimental e que legitimam o mundo que o cerca.
Quando se trata de um inocente, então, aí a coisa pode ser ainda pior.
Junta-se à dor a revolta contra a injustiça.
A tristeza passou longe de João e Mônica!
Viu-se apenas um riso sardônico.
Não estou aqui a exigir a humilhação pública deste ou daquele.
Abomino esse tipo de espetáculo.
Também não quero transformar expressões faciais em prova de culpa.
Mas uma coisa é certa: marido e mulher são especialistas em cuidar da imagem das pessoas.
Suas empresas se orgulham de eleger postes.
Eles conhecem o peso dos símbolos.
Mas, tudo indica, não conseguiram esconder uma natureza.
Trata-se, infiro, de um tipo psíquico, incapaz de sentir vergonha ou culpa.
Se inexiste essa dupla para conter os apetites, então tudo é permitido.
Volto a Marcelo.
Em seu depoimento, Mônica afirmou ter recebido, pelo caixa dois, US$ 3 milhões da Odebrecht e US$ 4,5 milhões do lobista Zwi Skornicki.
O primeiro montante seria pagamento por campanhas eleitorais em Angola, Panamá e Venezuela; o segundo estaria relacionado apenas à jornada angolana.
Venham cá: se empreiteira e marqueteiros têm esse comportamento em outros países, por que não o adotariam por aqui mesmo?
Para preservar o PT, a si mesma e ao marido, Mônica torna ainda mais gravosa a situação da Odebrecht, que, então, segundo o seu testemunho, burla regras em eleições mundo afora.
Desde a primeira hora, recomendo que empreiteiros, Marcelo Odebrecht em particular, se lembrem do publicitário Marcos Valério e da banqueira Kátia Rabelo, que pegaram as duas maiores penas do mensalão.
Os criminosos da política já estão flanando por aí, alguns a delinquir de novo, mas os dois mofam na cadeia.
Até parece que poderiam ter feito o mensalão sem o concurso dos políticos.
Marcelo terá de decidir se vai ser o cordeiro que expia os pecados do PT e de todos os empreiteiros, os seus próprios também, ou se explicita a natureza do jogo que Mônica, tudo indica, tentou esconder.
Fala, Marcelo Odebrecht!
Não há como o Brasil não melhorar.