Agência o Globo Pelo menos dez investigados na Operação Lava-Jato deixaram a prisão com tornozeleiras eletrônicas.
Graças ao equipamento que os monitora a distância, podem responder ao processo fora do cárcere.
Mas o privilégio é para poucos.
Distantes dos holofotes, presos comuns, com liberdade provisória concedida pela Justiça, continuam detidos devido à falta do aparelho nos estados. (Infográfico: como funciona a tornozeleira eletrônica) O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar o primeiro recurso do tipo, determinou a soltura do acusado mesmo sem a tornozeleira.
O caso, julgado este mês na Quinta Turma por decisão unânime, norteará o posicionamento do STJ, permitindo que os ministros decidam monocraticamente em ações semelhantes.
O beneficiado pela decisão do STJ é Nikolaos Joannis Sakkos, preso desde junho em São Paulo.
De origem grega, é acusado por crimes contra o sistema financeiro.
Nikolaos obteve decisão favorável para responder ao processo em liberdade, desde que usasse a tornozeleira eletrônica.
Só que o estado de São Paulo não forneceu o equipamento, como descreveu o ministro Gurgel de Faria, relator do caso no STJ. — É uma questão emergencial, porque é uma pessoa que está com o habeas corpus concedido, mas a juíza disse que não é possível esse monitoramento por absoluta falta do equipamento necessário — explicou o ministro Faria, ao julgar o caso.
Faria votou pela liberação de Nikolaos e foi seguido pelos outros quatro ministros da Quinta Turma.
Com a tornozeleira, o recolhimento domiciliar obrigatório se daria só à noite.
Mas, diante da falta do equipamento, o suspeito terá que ficar em casa 24 horas por dia.
Só poderá sair caso consiga um emprego diurno ou se a administração penitenciária oferecer o aparelho eletrônico.
Atualmente, sete delatores da Lava-Jato usam tornozeleiras, entre eles Ricardo Pessoa, dono da UTC, e Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras.
Previsto na legislação brasileira desde 2010, o monitoramento eletrônico só abrange 3% dos cerca de 600 mil detentos que formam a população carcerária do país, segundo pesquisa do Ministério da Justiça feita em julho.
Havia, naquele mês, 18.172 pessoas com tornozeleiras, o que corresponde a 45% da capacidade de monitoramento declarado pelos 17 estados que usam a tecnologia.
Juntos, eles poderiam vigiar 40.431 presos, mas nem sempre têm pessoal ou recursos disponíveis para usar todas as tornozeleiras disponibilizadas pelos contratos firmados.
NO RIO, GRÁVIDA É LIBERTADA Embora o Rio de Janeiro tenha sido ágil na adoção da política, ainda em 2011, a falta de equipamentos já é realidade verificada no Judiciário estadual.
Na reta final da gravidez, Marcela Cristina Ventura Gomes de Oliveira passou mais de dois meses detida, depois que o juiz converteu sua prisão preventiva, por suspeita de tráfico de drogas, em domiciliar, com monitoramento eletrônico.
Com alvará de soltura desde setembro, ela só foi liberada no fim de novembro.
Ao analisar o caso, a desembargadora Angelica Guedes destacou: “Não é crível e sequer razoável manter a acusada em estabelecimento prisional pela simples ineficiência do Estado em prover meios para que a mesma usufrua de benesse que lhe foi concedida”. — O caso da Marcela está longe de ser um caso isolado.
Se o Estado não tem capacidade de disponibilizar o material determinado pela Justiça, que arque com as consequências e solte o beneficiado — diz Ricardo André de Souza, subcoordenador de defesa criminal da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
GOVERNO FEDERAL ESTIMULA USO O governo federal considera que a tornozeleira eletrônica tem apresentado pouco impacto na redução de presos provisórios, sem condenação, que representam 40% da população carcerária brasileira.
Isso porque apenas 8,42% dos detentos que usam o equipamento no país estão cumprindo medida cautelar diversa da prisão.
A maioria dos monitorados é de detentos em regime semiaberto: 42% do total.
Há ainda detentos em regime aberto, que são 25,91% de todos os presos que utilizam a tornozeleira.
Os de saída temporária, benefício comum nesta época de Natal, correspondem a 16,57% dos vigiados eletronicamente no Brasil.
O restante (cerca de 7%) são pessoas enquadradas na Lei Maria da Penha, livramento condicional e regime fechado em prisão domiciliar, geralmente por motivo de saúde. “O alto número de presos provisórios e a baixa utilização da monitoração eletrônica nos casos de medidas cautelares pode sinalizar que há espaço a ser ocupado pela monitoração enquanto substitutiva à privação de liberdade de pessoas não condenadas”, diz estudo do Ministério da Justiça.
A pasta assinala que a tecnologia tem servido apenas para aumentar o rigor disciplinar, na progressão de regime, mas não para evitar prisões desnecessárias.
A pesquisa apontou que São Paulo tem o maior número de pessoas monitoradas: 4,2 mil.
Em seguida, vêm Minas Gerais, com 2.390, e Pernambuco, com 2.300.