Segue a íntegra da carta enviada hoje pelo vice-presidente Michel Temer à presidente Dilma Rousseff.
Senhora Presidente, “Verba volant, scripta manent”.
Por isso lhe escrevo.
Muito a propósito do intenso noticiário destes últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio.
Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo.
Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade.
Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.
Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da Constituição Federal.
Sei quais são as funções do vice. À minha natural discrição conectei aquela derivada daquele dispositivo constitucional.
Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB.
Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.
Basta ressaltar que, na última convenção, apenas 59,9% votaram pela aliança.
E só o fizeram, ouso registrar, porque era eu o candidato à reeleição a vice.
Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo, usando o prestígio político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido.
Isso tudo não gerou confiança em mim.
Gera desconfiança e menosprezo do governo.
Vamos aos fatos.
Exemplifico alguns deles. 1.
Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo.
A senhora sabe disso.
Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo.
Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas. 2.
Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários. 3.
A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil, onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho, elogiado durante a Copa do Mundo.
Sabia que ele era uma indicação minha.
Quis, portanto, desvalorizar-me.
Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone. 4.
No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas “desfeitas”, culminando com o que o governo fez a ele, ministro, retirando, sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele, ministro da área, indicara para a ANAC.
Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) e que ele saiu porque faz parte de uma suposta “conspiração”. 5.
Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação política, no momento em que o governo estava muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal.
Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários.
Não titubeamos.
Estava em jogo o país.
Quando se aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequência no governo.
Os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos.
Realizamos mais de 60 reuniões de líderes e bancadas ao longo do tempo, solicitando apoio com a nossa credibilidade.
Fomos obrigados a deixar aquela coordenação. 6.
De qualquer forma, sou presidente do PMDB e a senhora resolveu ignorar-me, chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo sem nenhuma comunicação ao seu vice e presidente do partido.
Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele.
E a senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado. 7.
Democrata que sou, converso, sim, senhora presidente, com a oposição.
Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento.
Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi aprovado por apenas 22 votos.
Sou criticado por isso, numa visão equivocada do nosso sistema.
E não foi sem razão que em duas oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o pais.
O Palácio resolveu difundir e criticar. 8.
Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o vice-presidente Joe Biden - com quem construí boa amizade - sem convidar-me, o que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que numa reunião com o vice-presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente?
Antes, no episódio da “espionagem” americana, quando as conversas começaram a ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça para conversar com o vice-presidente dos Estados Unidos.
Tudo isso tem significado absoluta falta de confiança. 9.
Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica, sem nenhuma conexão com o teor da conversa. 10.
Até o programa “Uma Ponte para o Futuro”, aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e resgatar a confiança, foi tido como manobra desleal. 11.
O PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso.
A senhora sabe que, como presidente do PMDB, devo manter cauteloso silêncio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade partidária.
Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o país terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais.
Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã.
Lamento, mas esta é a minha convicção.
Respeitosamente, À Sua Excelência a Senhora Doutora DILMA ROUSSEFF Presidente da República do Brasil Palácio do Planalto Brasília, D.F.
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