Por Jorge Alexandre Barbosa Neves, especial para o Blog de Jamildo Após dois anos de queda do PIB (2008 e 2009), os EUA vêm experimentando um nível de desenvolvimento econômico significativo, com cinco anos seguidos de crescimento.

O que explica, então, que cerca de 75% dos cidadãos americanos entrevistados por pesquisas de opinião pública pensem que os EUA estão em recessão?

Com a União Europeia demonstrando grande dificuldade para retomar o crescimento econômico - algo que se revela de forma bem mais dramática em alguns de seus membros, em particular a Grécia, os países ibéricos e a República da Irlanda - a retomada do desenvolvimento econômico americano já em 2010 deveria fazer com que este fosse visto como um exemplo de sucesso no mundo desenvolvido.

Por que não é este o sentimento da grande maioria dos cidadãos americanos?

Os EUA foram o loco de ativação da grande depressão principiada em 1929, bem como da recuperação que veio a ocorrer na década seguinte.

Todavia, na década de 1930, mais especificamente entre 1933 e 1938, a retomada econômica dos EUA se deu com base nas políticas do New Deal, programa governamental de Franklin Roosevelt.

As políticas então implementadas foram focadas em ações de demanda por trabalho e na redistribuição de renda.

A partir daquele momento, os EUA entraram numa trajetória socioeconômica que combinava crescimento da economia com redistribuição de renda, o que a tornou a grande sociedade de classe média do mundo, fazendo com que o seu coeficiente de Gini da distribuição de renda alcançasse padrões “civilizados”, abaixo de 0,40.

A partir do final da década de 1970, os EUA entraram numa trajetória de reversão do processo iniciado com o New Deal, com um desmantelamento quase que contínuo do Estado de Bem Estar Social.

Com essa reversão, o coeficiente de Gini dos EUA chegou, em 2014, a 0,48 (no Brasil, cálculos do IBGE, com base na PNAD de 2014 revelaram um coeficiente de Gini de 0,49, quase idêntico, portanto, ao americano).

Uma das dimensões da vida americana mais afetadas pelo aumento continuado da desigualdade é a saúde.

E talvez em nenhuma outra dimensão, por sua vez, o problema da radicalização política predominante nas duas casas do Congresso Americano tenha representado uma barreira tão forte para a solução de um grave problema social.

A tentativa de Bill Clinton de enfrentar o problema da saúde nos EUA fracassou de forma dramática.

Os novos esforços de Obama conseguiram avançar e se tornar realidade, mas sofrem tantos ataques por parte dos poderosos grupos de interesse do setor de saúde e dos políticos conservadores, que a perspectiva de reversão absoluta é real.

Como bem definiu o Washington Post, em uma manchete publicada no dia 16 de junho de 2014, “Os EUA têm o mais caro e ineficaz sistema de saúde”.

De fato, o gasto per capita com saúde nos EUA é 2,5 vezes o dos britânicos.

Por sua vez, ao passo que esses últimos têm um dos mais eficazes sistemas de saúde do mundo, os indicadores americanos são lamentáveis.

Sua taxa de mortalidade infantil (6,1/1000) é a pior entre os países desenvolvidos e também é superior a de alguns países em desenvolvimento, embora os EUA tenham a terceira maior renda per capita do mundo.

O mesmo ocorre com a expectativa de vida, que é inferior à dos demais países desenvolvidos.

Por sua vez, a ineficiência do sistema de saúde americano põe uma enorme carga sobre as famílias trabalhadoras.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que, mantido tudo o mais constante, um trabalhador americano precisa ganhar 40% a mais do que um trabalhador britânico, apenas em função da inexistência de um sistema público de saúde minimamente aceitável nos EUA.

Esse cenário americano é útil para refletirmos sobre a enorme relevância do SUS.

Até aqueles que têm seguros de saúde privados no Brasil, mesmo que não façam absolutamente nenhum uso do SUS (o que é bastante raro), se beneficiam de sua existência, em função da regulação do mercado de serviços de saúde que o SUS executa indiretamente.

Se nos EUA existisse pelo menos algo semelhante ao SUS, as empresas de saúde não teriam condições de cobrar tão caro por serviços tão ruins.

O atual cenário de deterioração das condições sociais nos EUA talvez esteja causando um fenômeno surpreendente, que foi identificado pelo último ganhador do Prêmio Nobel em Economia, Angus Deaton, e sua esposa, Anne Case, ambos de Princeton.

Em estudo publicado recentemente e que ganhou grande repercussão a partir de uma reportagem do New York Times do dia 02 de novembro último, eles descobriram que, desde 1999, a taxa de mortalidade dos americanos brancos de meia idade está se elevando.

Isso é algo espantoso, pois até hoje não havia registro de elevação de mortalidade de nenhum grupo social ou faixa etária em sociedades modernas (a não ser em função de estado de guerra), muito menos nos países desenvolvidos.

Entre as causas de óbitos cujas taxas mais têm crescido estão o suicídio e as mortes causadas por abuso de drogas lícitas (principalmente o álcool) ou ilícitas.

Em uma sociedade em que ser um looser é algo repugnante, não conseguir, pelo menos, reproduzir o padrão de renda e consumo dos pais é algo extremamente frustrante.

A elevação da desigualdade é resultado, entre outros fenômenos, da queda do salário real.

Assim, para a maior parte das pessoas conseguir manter seu padrão de vida, se tornou absolutamente comum entre os americanos o exercício de mais de uma atividade profissional, com longas jornadas de trabalho.

Um dos presidentes da república da ditadura brasileira teria afirmado, em 1974, que “a economia vai bem, mas o povo vai mal”.

Essa frase caberia para os EUA atualmente.

PS do Blog: Bacharel em Ciências Sociais e Mestre em Sociologia, ambos pela UFPE, Ph.D. em Sociologia pela Universidade de Wisconsin-Madison/EUA, Professor Associado de Sociologia da UFMG e Pesquisador Visitante na Universidade do Texas-Austin/EUA.