Agência O Globo A pauta conservadora que a chamada bancada BBB (boi, bala e Bíblia) conseguiu fazer avançar na Câmara, ao longo deste ano, dificilmente vai prosperar da mesma forma no Senado, segundo a análise de parlamentares de vários partidos, tanto da base quanto da oposição.

A explicação é que, como o Senado é formado por ex-governadores, ex-presidentes e ex-ministros, oriundos de eleições majoritárias, há uma visão mais ampla da sociedade, sem se segmentar em bancadas temáticas, como ocorre na Câmara.

Câmara pode permitir que religiosos questionem leis no STF Até agora chegou ao Senado apenas a proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, mas projetos como o desmonte do Estatuto do Desarmamento, o Estatuto da Família, as mudanças nas demarcações de terras indígenas e o que cria dificuldades para o aborto em casos de estupro já passaram por comissões na Câmara e poderão chegar em breve, caso sejam aprovados em plenário pelos deputados.

Bancada ‘BBB’ atua para manter pauta conservadora Álvaro Dias (PSDB-PR), ex-governador do Paraná e senador com maior votação proporcional do país em 2014, disse achar que o Senado é a casa da maturidade política, responsável pelo equilíbrio, justamente em função de sua composição.

Humberto diz que pauta da Câmara dos Deputados é “conservadora e medieval” “Temos no Senado uma representação majoritária, que não promove uma pulverização de bancadas como na Câmara, onde há segmentos bem definidos, como a bancada da bola, a evangélica, a ruralista.

No Senado, o que ocorre é uma representação popular majoritária, com uma visão macro dos problemas da sociedade.

Na Câmara, a tentativa de agradar a determinados segmentos, que ajudaram na eleição dos parlamentares, leva a esse tipo de atuação”, observa Álvaro Dias.

O presidente da Câmara dos Deputados, participou do culto organizando pela Frente Parlamentar Evangélica (FPE) em um dos auditórios da Casa “Retrocesso brutal” Representante assumido dos ruralistas, o líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), prevê que a maioria das matérias que tanto tem provocado turbulência em setores da sociedade e revolta contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), “vai tomar o espaço que merece nos escaninhos do Senado”.

Para petistas, mobilização popular pode barrar pautas conservadoras “Na nossa época de Câmara, não se fazia isso que está acontecendo lá agora.

A questão é quem está na presidência da Câmara.

A pauta, quem faz é o presidente.

Num quadro de crise tão grave como o que vivemos, com temas tão graves para serem decididos, esse tipo de matéria nem vai entrar na pauta aqui no Senado”, afirmou Caiado.

O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT), também diz que a bancada governista vai atuar para enterrar as alterações que desfiguram o Estatuto do Desarmamento, que tratam da demarcação de terras indígenas e da redução da maioridade penal. “Aqui não passa. É uma pauta conservadora, que significa um retrocesso brutal do ponto de vista social, uma verdadeira marcha a ré em conquistas conseguidas a duras penas.

Aqui não existem bancadas estratificadas como na Câmara”, disse Delcídio.

O líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), diz que essas matérias foram aprovadas a toque de caixa dentro do “projeto diversionista” de Cunha de tentar arregimentar apoios entre as bancadas temáticas para fugir da cassação de seu mandato. “Aqui essas matérias não vão prosperar.

São vistas como mais uma estratégia de Cunha para criar embaraços.

Ele tentar criar uma cortina de fumaça para trazer para o seu lado esse segmento mais conservador e embaralhar o processo no Conselho.

A pauta do país não é essa.

Não é hora de ressuscitar temas que já estavam pacificados na sociedade”, ressaltou Cássio.

O vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), lamenta que o Senado tenha de perder tempo analisando e derrubando o “estrago” que vem sendo feito pela Câmara nesses temas que tinham sido resolvidos no passado. “Já perdemos parte desse ano desarmando bombas que vieram de lá.

Muitas matérias aprovadas na Câmara danificam de morte o país na área econômica.

Agora todos nós nos surpreendemos de novo com a Câmara trazendo atraso para a sociedade, aprovando matérias que estimulam o preconceito e empurram o Brasil para o século XIX.

Trocar o Estatuto do Desarmamento pelo Estatuto do Armamento?

Vamos passar mais um ano para consertar a pauta explosiva da intolerância”, disse. Única pauta que já chegou ao Senado, a redução da maioridade penal deve ser amenizada.

A Câmara reduziu de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.

O projeto chegou em agosto e só agora foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde será apensado a outros que já tramitam na Casa.

O relator, Ricardo Ferraço (PMDB-ES), diz que o mais provável é a aprovação da proposta do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que prevê a redução da maioridade apenas em casos de crimes hediondos e com um parecer prévio de um promotor sobre cada caso. “A PEC aprovada na Câmara é muito primitiva e trata a redução da maioridade como solução para a grave situação de violência no país.

Já o projeto de Aloysio, que muda o Código Penal, trata da questão da impunidade e da reincidência nessa faixa etária. É o que tem mais chance de passar no Senado"diz, Ferraço.

Há quem defenda os projetos Mas também há no Senado políticos que defendem a pauta conservadora.

O senador Magno Malta (PR-ES) diz que apresentará emendas para radicalizar a PEC da Câmara.

Proporá o fim da faixa etária: quem praticar crime hediondo atingirá a maioridade automaticamente. “Ninguém confunde chupeta com escopeta”, disparou Magno Malta.

Ele promete lutar também para manter no Senado o Estatuto da Família, que define como família apenas as uniões entre homem e mulher. “Entendo que o plenário vai manter o Estatuto da Família nos moldes de Deus, macho e fêmea, homem e mulher.

Pode até ter ajuntamento e cooperação de pessoas, mas não podemos sair da exceção para a regra”, diz Malta.

Para os deputados, essa agenda avançou na Câmara devido à mudança de perfil da bancada eleita em 2014. “É uma bancada mais conservadora nesses temas de valores e princípios.

A sociedade elegeu uma bancada na Câmara mais identificada com esses temas”, analisa João Campos (PSDB-GO), que é delegado de polícia e coordenador da bancada evangélica. “Essa mudança veio das urnas.

Na nossa bancada, temos sete deputados que foram os mais votados em seus estados com essas bandeiras”, destaca Alberto Fraga (DEM-DF), coordenador da chamada bancada da bala.

Ivan Valente (PSOL-SP), que é contra a aprovação desses projetos, observa que o aumento do conservadorismo na Câmara é reflexo da sociedade.

Analisa, porém, que os temas só seguiram adiante devido ao fato de Eduardo Cunha ser simpático às propostas e ter feito aliança com as bancadas BBB. “A Câmara está refletindo isso que a sociedade apresenta, e o Eduardo Cunha é fruto da união desses interesses.

Foi assim que ele conseguiu se eleger, mesmo sem ter apoio formal de PT e PSDB”, avalia Valente.