Por Adriana Rocha, advogada A história da advocacia feminina no Brasil tem na figura de sua primeira representante, Myrthes Gomes de Campos, que ingressa formalmente no antigo IOAB, em 1906, enfrentando muita resistência masculina, um exemplo de persistência que colabora para a ideia coletiva de que a mulher tem que demonstrar coragem e muita disposição para “ousar” ingressar na advocacia.

Se no final do séc.

XIX a realidade histórica do domínio do homem sobre a mulher, inclusive do ponto de vista jurídico (a mulher só deixa de ser relativamente incapaz com a aprovação do estatuto da mulher casada em 1962) justificaria esse sentimento, é razoável supor que em pleno séc.

XXI não houvesse mais qualquer preconceito ou restrição ao exercício da advocacia por mulheres.

Some-se a isso, o dado empírico de que hoje representamos praticamente a metade dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, contribuindo ativamente para a sua própria subsistência.

No entanto, e infelizmente, não é essa a realidade, sobretudo para a advocacia privada.

Supreendentemente apenas no ano de 2016, tivemos a primeira Conferência Nacional da Mulher Advogada, e para que houvesse sua realização não foram poucos os obstáculos e as dificuldades que tiveram que ser ultrapassados pela Comissão da Mulher Advogada no Conselho Federal, atualmente presidida e composta por advogadas militantes e conscientes da importância da promoção de políticas voltadas especificamente para as advocacia feminina de todo o País.

Em Teresina, no dia 21 de setembro, o Colégio de Presidentes da OAB aprovou o Plano de Valorização da Mulher Advogada, inspirada em diretrizes da ONU Mulher, e que representou outra grande vitória, tardia vitória mais uma vez, incluindo em sua pauta programática, dentre outra conquistas: a defesa das prerrogativas das mulheres advogadas; a elaboração de propostas que apoiem a mulher no exercício da advocacia; a implementação de condições diferenciadas nos serviços prestados pelas Caixas de Assistência dos Advogados, que atendam a necessidades específicas da mulher advogada; a promoção de diálogo com as instituições, visando humanizar as estruturas judiciárias voltadas às advogadas; e a construção de uma pauta de apoio à mulher na sociedade.

Pernambuco, através de sua Seccional da OAB e da Caixa de Assistência, já tinha antecipado muitas dessas diretrizes, a exemplo do Programa Maternidade Legal, da participação ativa de mulheres em sua diretoria, no Conselho e nas comissões, e na própria CAAPE, que atualmente possui em seu quadro três diretoras.

O Movimento Mais Mulheres na OAB ocorrido em nosso Estado no dia 25 de agosto, foi outro indicativo de que não podemos e não vamos deixar de implementar ações que sustentem e deem visibilidade aos problemas da mulher advogada.

Mas muito mais pode ser feito - e certamente será -, e sem a utilização demagógica da bandeira da igualdade de gênero (hoje a legislação da OAB já exige 30% de participação do gênero não dominante na formação das chapas nas seccionais).

A responsabilidade de manter o avanço de conquistas para a classe dos advogados e advogadas não pode ser fragmentada, tem que ser completa, verdadeira, para todos e todas. É um grande equívoco supor que apenas interessa ao universo feminino a ampliação de direitos e de apoio à mulher advogada, pois não se trata de defender privilégios, mas antes de reconhecer dificuldades reais (como o assédio enfrentado por advogadas e estagiárias em seu local de trabalho e nos tribunais).

A questão da igualdade de gênero na advocacia é hoje um dos temas mais debatidos em todo o Brasil, e um dos fundamentos para esse debate está na própria constitucionalização da nossa profissão, que acaba sendo o ponto de partida para a realização da cidadania e da concretização dos direitos humanos por nossa classe.

E o que é apoiar a mulher advogada e a efetivação da igualdade de direitos, se não defender os próprios direitos humanos e a cidadania?

Sabemos que o fortalecimento dessa boa causa, para que esqueçamos de vez o séc.

XIX, só será possível com a boa formação de profissionais da área jurídica, independentemente de gênero, que se disponha a enxergar na justiça o seu único ideal.

Assim será possível, através do equilíbrio da igualdade, defender a ascensão profissional da advogada e ao mesmo tempo fazer com que ela se sinta bem representada por outras mulheres dentro e fora da OAB, acolhida e prestigiada por seu órgão de classe.

O ideal de justiça precisa deixar de ser argumento retórico e finalmente ingressar no mundo dos fatos.