Por Clovis Rossi, na Folha de São Paulo Recebo o jornal na sexta-feira e os olhos vão automaticamente para a chamada para a coluna da infatigável Mônica Bergamo: “Para líderes do PT, queda da presidente em 2015 passou de possível a provável”.
Enquanto passo manteiga no pão, o título faz a imaginação voltar muitos anos no tempo e para outro país, a Argentina de 1976.
Havia, então, uma conspiração tão aberta para o golpe que os correspondentes recebiam, em seus escritórios, um mapa com a movimentação das tropas.
A coisa era tão pública que me permitiu produzir as seguintes manchetes sucessivas para “O Estado de S.
Paulo”, onde então trabalhava: primeiro, “golpe na Argentina é inevitável”.
No dia seguinte, mudou apenas uma palavra e passou a ser “golpe na Argentina é iminente”.
No dia em que saiu essa manchete, deu-se o golpe que todos sabíamos que era inevitável e iminente.
Fique claro que estou comparando ambientes e não situações.
Na Argentina, conspirava-se para um golpe clássico.
No Brasil, conspira-se para o impeachment da presidente, o que, repito, não é golpe.
O que está na Constituição não pode ser golpismo, como é óbvio.
Mas, golpe ou impeachment, o desfecho é idêntico: a defenestração da mandatária de turno.
Outra coincidência: lá, então, a presidente era uma mulher, como é mulher a presidente, aqui e agora.
O isolamento de ambas é também idêntico ou muito parecido.
Na noite do golpe, 24 de março de 1976, havia apenas 24 pessoas apoiando Isabelita Perón diante da Casa Rosada (sim, eu contei).
Pior: quando cheguei ao escritório de Flávio Tavares, então correspondente do jornal mexicano “Excelsior”, depois de ter sido banido do Brasil pela ditadura, ele recebeu um telefonema da Casa Rosada oferecendo uma entrevista exclusiva com a presidente.
Os assessores de Isabelita não tinham ideia de que o helicóptero que a recolhera na sede do governo não a levava para a residência oficial de Olivos mas para a prisão no vizinho Campo de Mayo.
Distanciamento da realidade desse tamanho é absolutamente incomparável.
Mas é notório que Dilma tem muita dificuldade em reconhecer a realidade à sua volta.
Repito: não estou comparando as duas situações, até porque a Argentina da época já estava em guerra entre os serviços de segurança e uma guerrilha alucinada.
Estou apenas surpreso com a coincidência de, lá como cá, se falar aberta e facilmente de afastamento da presidente de turno.
Isabelita caiu sozinha.
No dia seguinte, havia mais gente vendo o amistoso Polônia x Argentina, nas vitrinas das lojas de eletrodomésticos, do que acompanhando o noticiário sobre o golpe.
A julgar pela nota assinada pelos presidentes da Fiesp e da Firjan, na qual se diz que Dilma “abriu mão de governar”, suspeito que no Brasil talvez não seja muito diferente.
Mas, no caso da Argentina, o que já era ruim –e era muito ruim– ficou muito pior.
No Brasil, não dá para adivinhar como ficaria, se houver o desenlace que o PT já acha provável, mas não custa ter presente que impeachment/renúncia não é exatamente um piquenique no parque.