Por Maurício Costa Romão, especial para o Blog de Jamildo O Senado Federal aprovou ontem (8/09), em segundo turno, Proposta de Emenda à Constituição nº 98/2015 que reserva quantidade mínima de vagas, por gênero, nas representações legislativas em todos os níveis federativos.

O objetivo por trás da proposta é aumentar a participação feminina na política, considerada muito baixa para os padrões internacionais, em especial nos Parlamentos brasileiros.

Aumentar a representatividade feminina nas Casas Legislativas através de cotas é tema controverso, assim como o é, de resto, o estabelecimento de cotas sociais e raciais em geral.

Já há uma cota de gênero na legislação eleitoral infraconstitucional brasileira que obriga os partidos e coligações a preencher um mínimo de 30% de candidaturas de cada sexo.

Os resultados práticos são duvidosos (retratados no artigo “Millane, Constância e Juvina”, de nossa autoria).

Com efeito, no afã de preencher a cota mínima com o gênero feminino, os partidos saem desesperados à cata de mulheres que se disponham a filiar-se e a candidatar-se por suas hostes.

Essa varredura é feita, naturalmente, sem critério de qualquer ordem: vocação, afinidade programática, dimensão eleitoral, etc.

O que importa mesmo é preencher a cota e evitar penalidades.

Até aí, tudo bem.

Trata-se de exigência legal que assegura um piso de candidatura por gênero.

Quer dizer, almeja-se que a disputa eleitoral tenha um mínimo de equilíbrio relativo entre sexos, que não haja predominância excessiva de um sobre outro.

Agora é diferente: o novo dispositivo constitucional garante vaga no Parlamento por gênero (no caso, pela evidência empírica, para as mulheres), na proporção de 10%, 12% e 16% das cadeiras, nas próximas três legislaturas.

A cota de gênero desequilibra a competição eleitoral ao reservar vagas parlamentares para as mulheres, independentemente de suas votações. É totalmente desprovida de sentido*.

Pelo menos dez razões podem ser elencadas para que ela não seja instituída.

Primeiro, a vontade do eleitor é desrespeitada.

Ao substituir homens eleitos por mulheres suplentes para preencher a cota (vide art. 101 das Disposições Transitórias da Carta Magna, introduzido pela referida PEC), viola-se a preferência original do eleitor, que votou em A e não em B; Segundo, transgride-se o princípio universal da democracia representativa de “um homem, um voto”.

No caso, o voto das mulheres vale mais que o voto dos homens; Terceiro, afeta a proporcionalidade da representação no Legislativo.

Nos sistemas proporcionais os estamentos político-sociais se fazem representar no Parlamento em função de sua dimensão eleitoral.

A reserva de vaga interfere artificialmente neste alicerce; Quarto, diminui o vínculo entre o eleitor e o parlamentar.

O eleitor tinha elos de ligação com o seu candidato a quem lhe conferiu o voto, não com seu substituto, em quem não votou.

Este, por seu turno, sente-se também distante e descompromissado com o eleitor, que nunca foi seu; Quinto, reduz-se o acompanhamento, a responsabilização (accountability) da atividade parlamentar pelo eleitor.

Como o eleitor não se sente representado por alguém a quem não deu o voto, fica também alheio às suas atividades legislativas; Sexto, aumenta a personalização da representação parlamentar.

Posto que a ascensão ao Legislativo é por cota legal, não por méritos quantitativos de votos, a mulher sentir-se-á mais independente de orientações e compromissos partidários, bem como de ligações com as bases eleitorais.

Sétimo, acirra a competição individual intrapartidária.

Com a ameaça de que mesmo eleitos podem ser substituídos por suplentes mulheres, os homens vão intensificar a disputa interna nos partidos por uma maior votação para fugir das últimas colocações, as que serão objeto de defenestração para assegurar o cumprimento da cota.

Oitavo, a quantidade de votos da representação é sempre diminuída quando a cota é aplicada.

Como as mulheres que ascendem ao Parlamento são suplentes, elas são, por definição, menos votadas que os homens de quem vão tomar o lugar.

Por exemplo, num exercício da aplicação da cota à eleição de 2014 para deputado federal em Pernambuco, trocar-se-ia um homem eleito de 101.452 votos, por um mulher suplente de 1.125 votos.

Nono, a alienação eleitoral (abstenção mais votos brancos e nulos) tende a aumentar.

A constatação de que há intervenção arbitrária na composição original do Parlamento, tornando incerta a eleição de seus candidatos preferidos, é um desincentivo a mais para o eleitor comparecer aos pleitos e votar em candidatos.

Décimo, haverá perda de qualidade produtiva na representação.

Aos partidos não importa se as mulheres têm baixa votação ou se são desprovidas de vocação para o exercício parlamentar.

O importante é que elas sejam suplentes, condição na qual, eventualmente, podem integrar o Legislativo no processo de aplicação da regra da cota.

Uma maior inserção das mulheres na política é, sob todos os títulos, desejável e necessário.

Mas isso é uma questão cultural e requer outros estímulos que não o de amarras legais embutidas nas cotas de gênero.

Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Cenário Inteligência e do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau.