Por Michel Zaidan Acabo de ler um denso e substancioso trabalho sobre o conceito de imparcialidade dos Juizes.

Uma tese de doutorado em Direito realizada na UnB, por um jovem advogado da AGU, Douglas Carvalho.

A tese levanta muitos argumentos teóricos, jurídicos, históricos e filosóficos - ao longo da história do pensamento ocidental - sobre a formação dessa imparcialidade ou separação dos Poderes e chega a uma conclusão de que ela é uma herança do liberalismo constitucional e atende a determinados interesses.

A tendência à judicialização da política é um fenômeno generalizado, não só em função da contratualidade das relações sociais e o avanço do braço jurídico do estado no cotidiano das pessoas, mas sobretudo em função da crise de legitimidade (e funcionamento) dos demais Poderes (o Poder Legislativo e o Poder Executivo), em sociedades cada vez mais complexas e conflituosas no mundo de hoje.

A doutrina da separação de poderes, seja na sua versão francesa (Montesquieu) ou na sua versão americana (checks and balances) corresponde ao período áureo do liberalismo, onde o Parlamento despontava como o legítimo e maior detentor da soberania popular, conforme o pensamento do abade Sieyes.

Com a complexidade da sociedade e a imensa pletora de funções que a administração pública assumiu, o Parlamento foi progressivamente perdendo importância na vida das nações.

Ou porque não esteja aparelhado para tratar das questões, ou porque é lento na forma de decidir ou porque só cuida de aprovar medidas que atendem aos seus próprios interesses: a doença do corporativismo.

Nos regimes presidencialistas, como o nosso, há uma improvável e perigosa conjugação de multipartidarismo com o poder do Presidente.

Um Presidente que precisa do apoio de uma relativa maioria parlamentar, para aprovar sua agenda e dar sustentação ao mandato presidencial.

E um quadro político-partidário fragmentado, pouco representativo e corporativista.

Se o poder Executivo governa através de medidas provisórias, exorbita a sua competência constitucional, ao determinar a agenda do Parlamento.

Se tenta buscar o apoio dos parlamentares, tende a se tornar refém do fisiologismo.

No Brasil, quando se fala de governo de coalizão, entendeu-se governo de cooptação.

Quando o presidente é fraco, a economia anda mal e sua popularidade é baixa, facilmente ele se torna uma presa de interesses subpartidários, subrepublicanos, paroquiais.

Num quadro como esse, é compreensível que o Poder dos Juizes conspire contra a sua alardeada imparcialidade e que seus julgamentos sejam neutros, técnicos ou ditados pelo respeito à Constituição.

Entre a crise de representação política do Parlamento e a fragilidade da base de apoio do Poder Executivo, entende-se o messianismo jurídico que se instalou no imaginário da população brasileira, que ora busca um vingador público ou alguém que governe, faça a máquina do estado andar.

Os juizes podem ter um brilhante curriculum jurídico - como Joaquim Barbosa - e serem indicados pelo Partido A ou partido B, mas carecem de legitimidade política e social para decidirem ou governarem o País.

O processo da decisão judicial está longe de ser neutro ou ditado pelos comandos constitucionais.

Principalmente em países como o nosso, onde a interferência do sistema político no Judiciário é reconhecidamente grande.

Os juízes votam e decidem de acordo com suas convicções, valores, visões de mundo ou interesses que consideram válidos.

O magistrado não julga a lide, como um santo diante das questões sociais.

O magistrado decide, como uma forma de poder monocrático, que às vezes não dá satisfação nenhuma à sociedade sobre seus julgados.

O famoso controle externo do judiciário só atua em questões administrativas da prestação jurisdicional.

E as corregedorias nem sempre cumprem satisfatoriamente suas funções.

Em matéria de transparência, celeridade, acessibilidade e racionalidade, os nossos magistrados deixam muito a desejar.

E já houve quem propusesse uma lei para os Juizes, de forma a conferir mais previsibilidade às decisões judiciais.

Outros acham que o signo jurídico é, ele mesmo, um signo aberto, polivalente, passível de múltiplas leituras e interpretações.

O instituto da Sumula vinculante viria minimizar essa liberdade julgar dos magistrados.

O fato é que existe quem defenda que a judicialização da política (e da administração) é um mal necessário em razão da fraqueza e o despreparo dos demais poderes.

A clássica separação de poderes não corresponderia ao estágio atual da nossa sociedade, que exige cada vez mais decisões adequadas e rápidas para múltiplas questões difíceis e intrincadas.

Agora, se Joaquim é melhor do que José para apreciar e julgar os denunciados da operação Lava-a-Jato, isso não passa de uma tipo de suspeição lançada pelos partidos sobre o Poder Judiciário, que tende a minar a credibilidade que este Poder ainda tem junto a opinião pública, em face da crise política que ora atravessamos no Brasil.