Foto: Divulgação Veja em primeira mão, aqui no Blog de Jamildo, artigo do professor Renato Lima, do MIT, que está na 3a edição da revista do café Colombo, a ser lançada nesta quarta-feira (19), no Recife.
Reacionarismo tecnológico Por Renato Lima, na revista do café Colombo Contra o avanço da Amazon e dos seus leitores digitais e descontos generalizados de livros, especialmente os eletrônicos, a senadora Fátima Bezerra (PT-RN) apresentou um projeto de lei (PL 49/2015) que é defendido pelas editoras e livreiros nacionais para forçar o tabelamento de preços de livros, a chamada lei do preço único.
Em São Paulo, contra o serviço de transporte Uber, vereadores aprovaram uma lei para proibir a operação de tal empresa, garantindo o mercado de taxistas.
Esses dois exemplos – recentes e brasileiríssimos – são capítulos novos de uma velha batalha: setores afetados mobilizam o poder político contra o avanço de novos modelos de negócio viabilizados pela tecnologia. » Mais de 90% dos recifenses são a favor da autorização do Uber, aponta pesquisa » Enquete: Você é a favor ou contra o aplicativo Uber?
Se a proposta da senadora for aprovada, nenhum livro pode ser vendido por menos de 10% do preço de capa, facilitando a vida das empresas já consolidadas no mercado.
Se o bloqueio ao Uber passar, ganham os taxistas, aqueles com posição já dominante no transporte urbano, independente da qualidade com que prestam o serviço. É muito provável que você, leitor, que poderia se beneficiar de livros mais baratos ou um serviço mais cômodo de transporte como o Uber seja penalizado por tais decisões.
E, ainda assim, ser racional não mover uma palha contra isso.
Talvez você esperneie no Facebook, reclame numa mesa de bar, mas não vá às galerias do Congresso Nacional protestar contra as medidas ou fundar uma ONG em defesa de descontos em livros ou pela liberdade de pegar caronas sem usar táxis.
E o mesmo aconteça com a maioria da população: ainda que essas ações sejam prejudiciais, é bem possível que simplesmente os lobbies das livrarias e taxistas saiam vitoriosos.
Que esses lobbies, que representam minorias, ganhem sobre o interesse da maioria.
Coube a Mancur Olson, um economista político americano, a mais clara formulação de por que lobbies que representam minorias tendem a ganhar sobre o interesse da maioria.
Em seu clássico “A lógica da ação coletiva”, de 1965, ele mostra que minorias organizadas têm mais a ganhar organizando-se politicamente do que as maiorias dispersas.
Grupos minoritários possuem menores custos de coordenar ações e maior retorno individual por políticas protecionistas.
Explicar isso é simples.
Suponha que o sindicato dos livreiros tivesse 100 membros e que estes pedissem um subsídio de 100 milhões do orçamento federal a seu favor.
O subsídio pode levar nomes vistosos, como “Política do Livro Nacional”, “Programa de Defesa do Livro Brasileiro” ou qualquer coisa semelhante.
Na prática, significa tirar dinheiro da população (via orçamento) para redistribuir para 100 empresas.
Supondo uma divisão igualitária, para facilitar os cálculos desse exemplo, cada empresa receberia R$ 1 milhão limpinho do governo.
Quem está pagando?
Os 200 milhões de habitantes do Brasil.
Cada livreiro colocaria no bolso 1 milhão tirando R$ 0.50 do bolso de cada um dos 200 milhões de brasileiros.
Esse hipotético livreiro teria incentivos a gastar até R$ 999 mil na defesa do seu subsídio (que pode ser em doações de campanha, propagandas da importância do subsídio, etc.) enquanto um brasileiro isolado que gastasse mais do que R$ 0.50 se mobilizando contra esse subsídio estaria perdendo dinheiro.
Talvez esse valor pague um selo de uma carta até Brasília ou uma ligação para o gabinete do seu senador ou deputado – mas não espere muita atenção de um parlamentar por fazer isso ou por doar R$ 0.50 centavos para a sua campanha.
Para ter a mesma força financeira do lobby seria preciso mobilizar muito mais gente (a população inteira do país menos os 100 beneficiados!).
Embora incentivos financeiros não expliquem tudo em termos de organização política, fica claro entender as razões de porquê medidas que prejudicam a maioria podem facilmente passar por causa dos benefícios que minorias organizadas conseguem extrair.
Esse exemplo hipotético trata-se de uma simples redistribuição de recursos: muitos pagam um pouquinho (R$ 0.50) para beneficiar um montão (R$ 1 milhão) a um punhado de pessoas.
Mas raramente as políticas públicas são feitas de forma tão transparentes.
Em vez disso é mais comum distorcer mercados, como proibir uma tecnologia que pode beneficiar uma maioria para defender os interesses dos que já têm uma posição dominante.
O reacionarismo tecnológico pode pagar bem a uma minoria, mas fazer muito mal a um país como é a ideia de querer bloquear um serviço inovador como o Uber, que é uma mudança qualitativa no serviço de transporte.
Há evoluções tecnológicas que afetam a produtividade do que se fazia antes.
Isso implica em fazer o mesmo que antes com menor esforço ou tempo dispendido.
Há outras que afetam também qualitativamente a tarefa a ser realizada.
Saindo do abstrato para o concreto: é possível dizer, feitas algumas ressalvas de como o meio afeta o processo criativo, que um escritor pode tanto escrever um livro usando o Word num computador quanto numa antiga máquina Olivetti datilográfica.
Ninguém se torna gênio por ter acesso a um computador com Word, mas um gênio talvez consiga produzir mais (e mais rápido) por não ter que ficar digitando e corrigindo na velocidade de uma máquina datilográfica.
Mas mudanças qualitativas são mais abrangentes.
Por exemplo, um smartphone não é apenas mais leve e com tela colorida em comparação aos celulares de primeira geração (aqueles tijolões da Motorola).
A principal diferença nem mesmo reside que os celulares atuais têm uma qualidade de som melhor do que o analógico. É que celular hoje é muito mais do que falar - a transmissão de dados móveis abre um mundo de aplicativos, como localização GPS por mapas, transmissão de músicas e vídeos.
Ah, e também chamar uma corrida via Uber. »Antes mesmo de chegar ao Recife, aplicativo Uber é alvo de projeto de lei na Câmara »Polêmica do Uber tem potencial para embatucar Geraldo Julio A diferença do Uber para táxis é tanto de eficiência quanto (principalmente) qualitativa.
Via Uber, é possível solicitar um carro, ver em tempo real o deslocamento do motorista até o passageiro e pagar com cartão de crédito automaticamente. É fácil também se tornar um motorista Uber, podendo ser uma solução para quem está trocando de emprego.
O custo do serviço é variável – quando a demanda está alta a tarifa aumenta de forma a incentivar mais motoristas Uber a ficarem disponíveis.
O usuário só confirma a corrida depois de ver a tarifa válida.
Ao final da corrida você recebe uma mensagem com o tempo de deslocamento, trajeto, e custo. É possível ainda dar nota ao desempenho do motorista, criando um forte incentivo à qualidade e simpatia.
Uma vez, em Boston, peguei um Uber em que o motorista foi malandro, deu uma volta gigante desnecessária.
Como estava atrasado, reclamei e ele fez de conta que foi um erro.
No dia seguinte, de posse do trajeto (no e-mail recibo que o Uber envia automaticamente) mandei uma mensagem para a administração do serviço reclamando do ocorrido.
Foi o meu único problema usando o serviço, que já me é habitual.
Pouco depois recebo uma resposta pedindo desculpas, dizendo que revisaram a rota usada pelo motorista e que me reembolsariam por boa parte do valor cobrado, informando que o responsável receberia um feedback para “melhorar o seu conhecimento sobre as rotas da cidade”.
Ah, se você esquecer algo num Uber sempre vai poder localizar o motorista (o qual você tem o nome e telefone, sempre).
Um Uber é muito melhor do que um táxi.
Não por outra razão que na cidade do México, onde estou no momento, o serviço do Uber é valorizado por ser considerado mais seguro.
E também há forte pressão de taxistas (e políticos aliados) em querer bloquear o serviço – agindo politicamente para tentar bloquear um serviço e sua tecnologia.
Via de regra, países que propiciam ambientes menos hostis ao empreendedorismo e favoráveis à inovação crescem mais e propiciam melhores condições de vida à sua população.
Criam menos barreiras institucionais à inovação e a política não é o caminho para se tornar (ou continuar) rico.
São os que conseguem, por diversos motivos, quebrar o paradigma de Olson de que os lobbies organizados tendem a ganhar sobre maiorias.
São sociedades que, coletivamente, escolhem o futuro em vez da defesa dos privilégios atuais e do reacionarismo tecnológico.
Pode até não ser racional (financeiramente) se mobilizar pelos livros mais baratos ou alternativas ao táxi, mas tais projetos de lei, e tantos outros, lhe afetam diretamente.