Efeito chimarrão Por Mônica Baugarten de Bolle, na Folha de São Paulo Clima ameno, paisagens belíssimas, um “quê” de Europa no Brasil tropical.

O Sul Maravilha, o Rio Grande do Sul, um dos Estados mais prósperos do país com seu amplo parque industrial e pujante atividade agrícola.

Terra promissora ou não?

Nas últimas semanas, o Rio Grande do Sul tem sido a vedete dos jornais devido à crise gravíssima que assola o Estado.

Parcelamento de salários de funcionários públicos, greves de professores, protestos, paralisação de policiais.

Em meio a tudo isso, o governador José Ivo Sartori pede à população: “Tenham paciência”.

Paciência?

O estado das contas públicas do Rio Grande do Sul é prenúncio para lá de ominoso sobre o que pode ocorrer com o Brasil em alguns anos se os problemas fiscais estruturais que enfrentamos não forem abordados.

A política gaúcha revela a extensão dos problemas que há muito se arrastam: desde 1991, jamais se viu a reeleição de um governador no cartão-postal do Sul Maravilha.

Afora o PDT, entre 1991 e 1995, e o PSDB, entre 2007 e 2011, o Estado alterna dirigentes do PMDB e do PT a cada quatro anos.

Nenhum foi capaz de desatar os nós fiscais que agora ameaçam se transformar em dor de cabe- ça grega (ou porto-riquenha, para os que têm acompanhado a mo- ratória de Porto Rico) para o governo federal. “Não vai ser um gover- no só que vai equilibrar as finan- ças do Estado”, disse Sartori recentemente.

O passado justifica suas palavras.

Dois fatores explicam o enorme e crescente desequilíbrio das contas públicas do Rio Grande do Sul nos últimos anos: a quantidade de funcionários públicos e a demografia.

As dificuldades de enxugar o quadro de servidores públicos ao longo das últimas duas décadas, ao lado dos gravíssimos proble- mas que afetam a indústria, responsável por 43% do PIB do Estado, levaram à decisão inusitada de parcelar salários, anunciada na semana passada.

Já não há dinheiro nos cofres públicos para pagar integralmente rendimentos acima de R$ 2.150, a arrecadação caiu brutalmente, a dívida crescente com a União é torniquete que aperta sem trégua.

Todo mês, o Estado desembolsa cerca de R$ 280 milhões em compromissos com a União e mais R$ 1,1 bilhão para a folha do funcionalismo –em julho, faltaram R$ 360 milhões para honrar os pagamentos de salários.

Com a economia em recessão e a indústria em franco encolhimento, o Rio Grande do Sul é emblemático do que pode acontecer com outros Estados brasileiros.

Enquanto isso, o drama da demografia se amplia.

Segundo dados do IBGE, o Rio Grande do Sul é a região em que mais cresce a população acima de 60 anos, pres- sionando os gastos previdenciá- rios e o sistema de saúde.

Tal situação não é novidade: desde 1991, a participação dos gaúchos com mais de 60 anos na composição demográfica do Estado aumen- ta acima da média brasileira, fru- to dos bons indicadores socioeconômicos que fizeram da região o Sul Maravilha.

O estado das contas públicas do Rio Grande do Sul é um alerta e tanto para o país.

Se o Brasil não conseguir desatar as amarras da crise política, se o governo não for capaz de eliminar os problemas estruturais que tantos obstáculos criam para um ajuste fiscal que melhore as perspectivas de médio prazo do país, viveremos o efeito chimarrão.

O Brasil será o Rio Grande do Sul, amanhã.

MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE, economista, é doutora pela London School of Economics e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics.

Escreve às quintas nesta coluna.