O ver de fora Por José Luiz da Mota Menezes, no JC desta terça A cidade, historicamente, tem sido fruto da construção coletiva e dela todos podem usufruir.

A fruição da paisagem urbana não é privativa, ela na cidade deve ser um direito de todos.

O circular da gente na cidade, ou em parte dela, não pode ser de uso privado.

O respeito pela paisagem urbana, em sua natureza histórica, deve ser primordial em uma criação urbana.

Os valores contidos em uma área, considerada histórica, devem ser alvo de respeito, quanto a sua escala e outros valores estéticos e artísticos.

A intervenção urbana no Cais José Estelita nos leva a indagar onde começa e termina a área mais antiga desse trecho da cidade do Recife.

Em primeiro lugar o ontem nos parece antigo.

A história dessa área do Recife tem bem duas fases distintas; a primeira envolve o bairro de São José, cujo perímetro mais recuado no tempo recua aos assentamentos de mercadorias e chega ao século 17, embora hoje, em sua maioria sofrendo grande grau de degradação.

O Forte de Cinco Pontas seria outro marco desta considerada antiguidade.

A segunda fase pertence a dois momentos, por sua vez, o da Rua Imperial, onde poucas são as edificações que recuam ao tempo da primeira metade do século 19, incluindo nesse momento a Igreja de São José, da segunda metade da mesma centúria.

O segundo momento é o da construção da Linha Férrea Recife – São Francisco, cujos restos de trilhos estão sepultados sob o concreto da Avenida Sul, tendo sido demolidas suas edificações coetâneas, ou seja, as antigas oficinas que estavam assentes em trecho abaixo da mesma avenida, por detrás da Igreja referida, e a estação terminal, demolida para construção do viaduto existente.

O grande espaço, onde estão os 28 armazéns, pertence a um tempo posterior a 1930, quando aconteceu o aterro que passou a constituir por ocasião da dragagem da bacia do Pina, para amerissagem dos aviões do Condor.

Os conceitos de paisagem urbana implicam em um ver de fora e outro ver de dentro para fora, no que se refere ao espaço em tela e dos edifícios projetados.

Por outro lado, esse espaço considerado deve ser também usufruído por toda gente, enquanto dos dois modos de ver.

O ver dentro para fora estaria garantido a toda a gente, desde que exista uma área comum capaz de ser o lugar dessa fruição de beleza, da referida Bacia do Rio Pina.

O ver de fora seria válido, na medida em que a situação de escala e outros valores subjetivos fossem garantidos.

Para tanto vale a diferenciação de valor estético-histórico de lugar, antes descrito e avaliado.

Em termo de visibilidade e escala, as edificações projetadas mantêm um escalonamento, no que se refere a limitação dos gabaritos dos imóveis projetados, o que garante a integridade da percepção estética dos 28 armazéns e ainda da Matriz de São José e, com a criação de uma área non edificandi, diante do Forte de Cinco Pontas, no seu lado Leste até aquela bacia, garante-se a visibilidade mais antiga de tal construção militar.

Por outro lado, a demolição do viaduto edificado, vai garantir o encontro dessa fortificação e também a identificação dos restos, em termos de alicerces, da estação demolida das Cinco Pontas.

A distância que existe entre o primeiro imóvel projetado e o bairro de São José permitirá sua integridade visual.

A criação de um parque “frente de mar” (no caso a Bacia do Rio Pina), desde o redor do Forte até a ponte ferroviária de Afogados, tem como ponto alto da solução a democratização do espaço urbano, que se completa com ausência de muros ou qualquer outro impedimento no circular de toda a gente.

Parece-nos, à luz do que entendemos como paisagem urbana, que os requisitos que foram atendidos na proposta de intervenção, então transformada em Lei Municipal, fazem do espaço onde está prevista a intervenção, uma solução bem diferente daquelas que ocorreu, e aconteceu em outras partes da cidade do Recife, onde foram ignorados todos esses valores de paisagem, que ora estão contidos no projeto em tela.

José Luiz da Mota Menezes é arquiteto, presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, Membro da Academia Pernambucana de Letras[/SERVIÇO-SEM]