Por Gesner Oliveira, Fernanco Marcato e Pedro Scazufca É justa a indignação provocada pela revelação de irregularidades em contratos da Petrobras.
A devida apuração dos fatos, o julgamento e a eventual condenação dos responsáveis são necessários.
Até agora, contudo, o espetáculo prevaleceu sobre o conteúdo.
E o real objeto de investigação deu lugar a mitos que causam enormes prejuízos ao emprego e a produção no Brasil.
Há três noções que têm apelo popular e dão boas manchetes, mas que são totalmente equivocadas e, colocadas em prática na atual conjuntura, geram efeitos devastadores sobre a economia.
A primeira delas é a proposição de que a Petrobras teria sido vítima de um cartel de empreiteiras.
Tal noção é insustentável.
Do ponto de vista econômico, não faz sentido discutir qualquer infração sem a compreensão de qual é a estrutura do mercado na qual o suposto ilícito teria ocorrido.
No caso da Lava-jato, os contratos em discussão foram celebrados em mercados nos quais a Petrobras tem enorme poder de compra, para não dizer absoluto.
O termo técnico para isso é pouco conhecido, mas muito preciso; trata-se de um monopsônio que descreve uma situação em que há apenas um comprador de um bem ou serviço.
Não faz sentido dizer que a estatal monopsônica foi simplesmente “vítima” de um cartel, dado seu poder de mercado.
Tal interpretação pode ser conveniente para segmentos do governo ao transferir a culpa para as empreiteiras, mas não se sustenta.
Não bastasse seu poder monopsônico, a Petrobras detém total comando do processo de contratação mediante regime jurídico que limita o raio de manobra de suas contratadas e confere enorme poder discricionário à estatal.
A Lei 9.478/97 (Lei do Petróleo) autorizou a Petrobras a celebrar contratos para aquisição de bens e serviços, por meio de procedimento licitatório simplificado.
A partir do Decreto 2.745/98, a Petrobras deixou de seguir o modelo tradicional de contratação estabelecido na Lei 8.666/93 (Lei de Licitações) para desenvolver forma própria de contratação de bens e serviços.
Portanto, a barreira à entrada decorre não de uma ação concertada entre empresas, mas do próprio formato de contratação sob o comando da Petrobras, que por sua vez, reflete as características técnicas dos serviços a serem realizados. É a Petrobras quem define os critérios técnicos, as qualificações, o orçamento (fixa orçamento interno que serve como parâmetro interno pela Petrobras de contratar ou não/ licitar ou não) e, consequentemente, é a Petrobras quem define os participantes das licitações por intermédio das cartas-convites.
Além disso, em contraste com mercados de produtos homogêneos nos quais a combinação de preços e o monitoramento são mais fáceis, nos contratos objetos da investigação encontram-se serviços altamente especializados e diferenciados que serão executados em ambientes de elevada incerteza. É impossível prever o preço de uma obra sujeita a contingências tão diversas como o regime de chuvas, os obstáculos geológicos e os conflitos trabalhistas.
Conforme alegado em depoimento à CPI de gerente do contrato de construção de obras prediais da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, seria impossível ter uma estimativa prévia de custo das obras a serem realizadas.
Em vez de enfrentar estas questões centrais, a discussão até agora limitou-se à explicação fácil (e errada) de que um suposto cartel de empreiteiras seria a fonte de todos os males.
Junte-se a isso o espetáculo medieval de prisões de empresários e executivos tentando induzir a opinião pública a crer que o problema está resolvido.
Longe disso, o problema dos focos de corrupção dentro do próprio Estado persiste.
Urge promover um salto de governança nas empresas estatais, adotando dentre outras medidas, programas de compliance rigorosos.
Mas esta agenda prioritária é deixada de lado quando se encontra um “cartel de empreiteiras” que serve de bode expiatório.
A segunda noção equivocada é a de impedir que as empresas investigadas participem de novas licitações.
Do ponto de vista jurídico é um absurdo.
Do ponto de vista econômico, equivale a excluir players do mercado e, portanto, diminuir a concorrência.
A proposta que supostamente pretende defender a concorrência termina por reduzi-la ao retirar concorrentes efetivos.
A terceira noção equivocada é a de que os excessos e a espetacularização da Operação Lava Jato são neutros do ponto de vista econômico.
Chega-se a argumentar com um misto de cinismo e ingenuidade que um conjunto de grandes empresas nacionais poderia ser rapidamente substituído por outras, inclusive estrangeiras.
A ampliação do mercado e a inclusão de novas empresas são benéficas e deveria ser um objetivo permanente de política pública.
Porém, é inaceitável o descaso pela destruição deliberada de empresas consolidadas que geram renda e emprego no Brasil e que fazem parte daquilo que há de melhor no Brasil em termos de experiência e talento empresarial.
Um exercício simples utilizando a matriz de insumo produto do IBGE mostra que o potencial de destruição de renda e emprego de uma operação Lava-Jato mal conduzida é gigantesco.
A brincadeira pode custar mais de R$ 200 bilhões em termos de PIB e mais de dois milhões de empregos.
Em uma economia em quadro recessivo, é um passo na direção de algo pior que a recessão: a depressão.
GESNER OLIVEIRA, 59, ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica e da Sabesp, é professor de economia (FGV) e sócio da GO Associados FERNANDO S.
MARCATO, 36, é professor de direito na FGV-SP e sócio da GO Associados PEDRO SCAZUFCA, 33, é mestre em economia pela FEA-USP e sócio da GO Associados