Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil Do JC Online Reeleita em outubro de 2014 com 54.501.118 votos (51,64%) contra 51.041.155 votos (48,36%) do concorrente Aécio Neves (PSDB-MG), a presidente Dilma Rousseff (PT) sabia que teria o desafio de conquistar a outra metade da população que votou no senador tucano.

Essa missão tornou-se ainda maior pouco mais de seis meses após a chefe do Executivo federal iniciar o segundo mandato à frente do País.

Uma pesquisa do Ibope encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e publicada no início deste mês indicou que o governo petista encerrou o segundo semestre avaliado como ruim/péssimo por 68% dos entrevistados.

Os índices de ótimo/bom totalizaram apenas 9%.

Some-se a isso os problemas de articulação no Congresso Nacional, a crise econômica do País e uma crescente discussão a respeito de um eventual impeachment da presidente.

Esses elementos, segundo os especialistas ouvidos pelo Jornal do Commecio, colocam Dilma Rousseff em sua maior crise desde que assumiu o comando do Brasil, em janeiro de 2011.

Carlos Ari Sundfeld, presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público É uma enxurrada de crises com a presidente e seu partido enfraquecidos e sem credibilidade.

A economia e a administração pública estão parando e as cúpulas políticas estão investigadas policial e civilmente, por suspeitas de ilícitos graves contra o Estado.

Há um risco real de impeachment e é um risco crescente.

O processo por crime de responsabilidade (impeachment) é um processo político e a presidente está perdendo apoio político.

Quanto à base jurídica, os fatos estão se avolumando e começam a sugerir um mar de lama sob a Esplanada dos Ministérios.

O processo pode vir a responsabilizar a presidente pelo conjunto da obra.

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai garantir um processo justo, mas não tem poder, nem razões, para reverter uma decisão política do Congresso contra a presidente, se vier.

Um processo de impeachment pode sim fracassar no meio do caminho.

Mas é do jogo da política.

O processo de impeachment não traz risco nenhum para o País, pois as instituições são fortes e a população está a favor delas.

O risco para os partidos no poder é de desmoralização, enfraquecimento, até inviabilização.

O que pode sim gerar riscos para o País é a paralisia econômica e da administração pública.

O governo está tentando enfrentar isso, mas há muita dúvida quanto a sua capacidade e disposição de corrigir erros.

Não há nenhuma chance das regras políticas e jurídicas serem quebradas.

Nenhuma chance.

As instituições estão simplesmente funcionando, com apoio geral.

Não há golpismo a vista, nem do governo, nem da oposição.

O argumento de que punir políticos eleitos seria golpismo é uma bobagem jurídica inventada por marqueteiro: ninguém é eleito para cometer ilícitos e, se o faz, é a força da lei que o expulsa do poder.

Joaquim Falcão, diretor da Fundação Getúlio Vargas (FGV)/Direito do Rio de Janeiro.

Crises econômicas e politicas todos os Países têm.

Basta ver a história e ver as atualidades de hoje, inclusive na Europa e América Latina.

O que distingue um de outro é a maneira como resolvem suas crises e se as instituições democráticas previstas na Constituição funcionam ou não.

Neste sentido, não é de estranhar quando estrangeiros, observando esses julgamentos como o do Mensalão e o da Lava-Jato, vejam ao invés de crise, a democracia funcionando, pois grande parte dos países, inclusive da América Latina não estão costumados a resolver suas crises dentro do estado democrático de direito.

Neste momento não se pode dizer que exista fundamentação legal para o impedimento da presidente Dilma nem no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nem no Tribunal de Contas da União (TCU) nem para o impeachment pelo Congresso.

Não estão evidentes os fatos geradores dos ilícitos necessários. É preciso dar tempo para que as instituições deixem claro o nosso melhor futuro.

Nuno Coimbra Mesquita, cientista político e pesquisador do Núcleo de Políticas Públicas (NUPPs) da Universidade de São Paulo (USP) A crise tem dois elementos.

A crise econômica não requer mais comentários.

A presidente Dilma Rousseff já reconheceu e está tentando enfrentá-la via ajustes fiscais.

A questão política é mais contundente.

A gente já viu crises econômicas antes.

Em 1998, houve crise econômica e o presidente (Fernando Henrique Cardoso) foi reeleito.

Mas o que é novo é que o governo não tem articulação política dentro do Congresso.

FHC perdeu apoio popular, mas teve apoio dentro do Congresso Nacional.

Já o atual governo está desgatado na sua base de apoio. É normal um governo reeleito não ter tanta força.

Há uma tensão política alta com os dois lados acusando o outro de golpe, mas, no sistema democrático, há uma série de mecanismos para controlar o abuso do poder.

A simples discussão do mecansimo não é golpe.

O impeachment tem uma dimensão legal e outra política.

O Brasil já passou por um processo de impeachment e as instituições sobreviveram.

No caso de Collor, era um governo que tinha pouca base de apoio da populaão e do Congresso.

O governo teve baixa aprovação (na pesquisa do Ibope), mas não quer dizer que todos que avaliam mal a presidente querem que o mandato seja encurtado.

Wagner de Melo Romão, cientista político da Unicamp Há três grandes componentes na crise.

Temos a crise econômica, com a perda de uma base social que sempre esteve muito próxima ao petismo, temos uma fragilidade no Congresso Nacional, com o surgimento de uma liderança (presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, PMDB-RJ) que tem ambição política e que sabe muito bem manejar o regimento da Câmara e construir maioria em torno do que ele pretende que seja a pauta política, e temos uma crise instalada no que diz respeito à corrupção.

Há uma situação de instabilidade muito forte e esse enfraquecimento político abre a possibilidade de um impeachment da presidente mesmo considerando que ela está em início de mandato.

Agora o que está em pauta mais fortemente são as chamadas pedaladas fiscais que podem abrir uma chave para o início de um projeto de impeachment.

A presidente está tentando demonstrar força, que não tem medo de briga.

Ela pode até estar se sentindo acuada de certo modo, mas está tentando mostrar suas garras e que não vai deixar se render facilmente.

Não acredito em renúncia, mesmo com a identificação de um cenário em que a culpabilidade fique explícita e mesmo se acontecer um processo de impedimento.

Vai ser um processo lento.

O grande que vejo que falta para se instalar um processo de resolução dessa crise política é uma saída que seja acordada pelas forças políticas que estão em jogo. É o PMDB, com suas frações, o PSDB, também com suas frações, e o PT, com um grupo que está quase dando de favas contadas essas dificuldades do governo Dilma daqui para frente.

Há uma crise de governabilidade do Executivo federal e que está muito relacionada à perda da popularidade do governo.

Não há dúvida que quando você tem 10% de percentual positivo você tem uma crise de maneira que os políticos não querem sair na foto com a presidentes da República.

Isso gera uma situação de instabilidade política, de enfraquecimento da figura que está à frente do Executivo.

José Arlindo Soares, sociólogo A particularidade da atual crise é que ela é simultaneamente uma crise política, econômica, moral, tendo como fio condutor uma má gestão que se expressa em cada uma das áreas mencionadas, ou seja, na política, na economia e na ética.

Essa simultaneidade de crises, que não é comum, é que torna a situação dramática e provoca excentricidades, como é o caso da eleição de Eduardo Cunha à presidente da Câmara.

Eduardo Cunha é uma consequência da ausência de comando político do governo e da falta de propostas objetivas para superar o tempo político de Dilma que ficou extremamente estreito, porque o discurso de campanha foi completamente revogado nos primeiros dias de governo.

Mesmo no Brasil, onde o discurso não é muito levado em conta, mas quando a contradição se coloca de forma tão imediata e antagônica, ele viola, enfraquece e fragiliza a governabilidade, fazendo com que o governo perca o comando das propostas e mostre para a sociedade que não tem um programa de governo efetivo. É o que o poeta chama ‘do avesso do avesso’, que é bonito na poesia, mas incompatível na vida política.

A má gestão da coisa pública e as pedaladas fiscais podem ser bases materiais para um processo de impeachment, mas politicamente, considerando o tamanho do Brasil, é difícil.

Collor estava isolado, sozinho.

O PT tem inserção nacional e a própria oposição não tem segurança de assumir o poder.

Ela não se preparou para isso. É importante que se mantenha as regras e que as decisões sejam pelo caminho institucional.

Gustavo Krause, ex-governador de Pernambuco O Brasil já passou por inúmeras crises.

De 1954 para cá, você tem o suicídio de um presidente, a renúncia de outro, uma intervenão militar, um confisco da poupança e um impeachment de outro.

Para o Brasil, as crises não são novidades.

A novidade é que há uma superposição de crises.

Você tem uma crise política caracterizada por uma precoce impopularidade da presidente.

Ela também não tem uma base parlamentar sólida.

Ao contrário, é muito rala.

A crise econômica alimenta a crise política e elas se retroalimentam.

Se houver uma lenta recuperação, você pode ter um quadro em que a presidente, quem sabe, chegue até 2018.

A presidente precisa reunir condições minímas de governabilidade e me preocupo porque o vácuo está sendo ocupado de uma maneira absolutamente equivocada pelo Legislativo.

O cenário mais complicado que é o cenário de se criar condições legais para um processo de impeachment.

Estamos diante de dois fatos juridicamente relevantes: a questão das pedaladas fiscais e o outro é o julgamento das contas da campanha pelo TSE.

Isso pode dar juridiciadade a providências legais.

Evidentemente que você pode ter a legalidade e ser inviável politicametne.

Se tiver viabilidade politica e congressual, é um cenário indesejavel.

Mas não vejo nada acontecer fora da institucionalidade.

Acho que a maioria da sociedade brasileira não demanda uma solução que não esteja dentro do padrão de institucionalidade.

Essa é a hora do chamamento à moderação, à prudência.