Por Plínio Leite Nunes* Apesar de flagrantemente inconstitucional e notoriamente ineficaz (segundo a unanimidade dos especialistas e estudiosos da área), a PEC 171/93, que propõe a redução da idade penal para 16 anos, passou pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos deputados e tende a ser aprovada pelo Congresso Nacional.

Para infelicidade geral da nação.

Como é natural em debates que despertam tantas paixões, a questão da redução da idade penal ignora a razão e as evidências.

Além do mais, põe em relevo uma filosofia punitivista que tem orientado, sem sucesso, a política criminal brasileira das últimas décadas.

O propósito deste texto é único: propor uma reflexão em torno de uma questão que, apesar de crucial, não tem sido enfrentada de modo claro e honesto até aqui, notadamente no discurso dos que se colocam a favor da redução: a mudança trará algum benefício?

Tornaremos o país melhor inserindo jovens no caótico e animalesco sistema penal brasileiro ou simplesmente clamamos por vingança e castigo como fazíamos nos Séculos VIII e XIX?

Afinal de contas, só há sentido em discutir a questão se o objetivo é evoluir e propor algo melhor do que hoje existe.

Do contrário, tudo não passará de puro sadismo daqueles que, paradoxalmente, se dizem “do bem” mas não hesitam em apoiar medidas que infligem “o mal” ao próximo, e de preferência com o máximo de dor e sofrimento possíveis.

Sejamos francos: com exceção dos que não fazem a mínima ideia das reais causas do problema e não percebem os interesses escusos que estão por trás desse debate, a impressão que se tem é que nenhum simpatizante da redução está realmente preocupado em resolver a questão da delinquência juvenil.

E muito menos dispostos a enxergar os verdadeiros problemas (sociais) que estão por trás de atos infracionais em sua grande maioria associados a crime patrimoniais(furtos, roubos) e tráfico de drogas.

Seu único compromisso, além de ignorar a realidade que cerca dos jovens infratores, tem sido “encontrar” justificativas bisonhas e simplistas que legitimem a barbárie estatal, o uso ilimitado e desmedido do Direito Penal, ainda que isso signifique, no fim de tudo, piorar a situação da segurança pública do Brasil.

Algo semelhante ao que os nazistas fizeram para legitimar o holocausto aos olhos do povo e da lei: criaram o discurso da “pureza da raça”.

Basta ver que o esforço retórico dos que são favoráveis à redução concentra-se na “justificação moral” da medida, e não em sua eficácia.

Fala-se, quase monotematicamente, que os jovens de 16 anos sabem perfeitamente o que fazem.

Podem votar e praticar atos na vida civil.

Daí concluir-se: podem e devem ser responsabilizados penalmente por seus atos.

O argumento, pesa dizê-lo, é desonesto intelectualmente.

Primeiro, porque esse não é o ponto da controvérsia.

Ninguém discorda que os jovens de hoje não se comparam aos de antigamente.

Esse debate, porém, é estéreo e tem sido usado para desviar o foco sobre o que realmente interessa discutir: a eficácia da redução.

Segundo, ele não consegue superar os principais argumentos contrários à PEC 171.

Aqui vão alguns: a) a medida, que é um retrocesso civilizatório, não resolve o problema da criminalidade, porque recai sobre o efeito e não sobre a causa do problema juvenil; b) somente os jovens negros e pobres (como já ocorre com os adultos) serão responsabilizados no Brasil, ampliando a seletividade do sistema; c) impactará negativamente na justiça criminal, já que aumentará a quantidade de presos e de processos sem efeito prático na redução de crimes; d) é desnecessária, já que apenas 1% de todos os crimes praticados no país são cometidos por menores (ou seja, não vivemos cercados por “anticristos juvenis” como deseja transmitir a mídia sensacionalista).

Pensemos nisso.

Se mesmo assim estes argumentos não sensibilizarem a população e o parlamento brasileiro, só resta uma coisa a fazer: estocar comida.

O autor é doutorando em Criminologia pela USP