Por Assuero Gomes, Médico e escritor O Brasil é um país com fortes tendências esquizofrênicas: ele cria duas ou mais realidades ao mesmo tempo, cobra um preço altíssimo aos seus filhos e lhes nega os mais rudimentares direitos cidadãos.
Sobre as crianças e adolescentes especificamente, cria belas peças publicitárias, estatutos, programas e paradigmas para o mundo ver e admirar.
A pátria amada, mãe não tão gentil para com suas crianças, nega-lhes maternidades dignas, escolas dignas, lazer digno, habitação humana digna.
Propaganda há muita.
Muita criança ainda come lixo e mendiga pelas ruas e estradas, é prostituída e trabalha como escrava, mas a mídia governamental coloca que tantas e quantas saíram da miséria (ainda há mais de 5 milhões nessa situação), uma ou outra ganhou algum prêmio na escola ou conseguiu alguma medalha em algum esporte, geralmente com o sacrifício sobre-humano da família e dela própria.
Houve tempo, e muito tempo, e muito dinheiro e recursos nestes últimos 20 anos de Brasil, para que se resolvessem esses problemas medievais.
Discute-se agora, como uma nuvem de fumaça que esconde o precipício, a maioridade penal: 18 ou 16 ou 14 anos.
Discute-se a pena de morte.
Discute-se quem roubou mais a pátria mãe.
O ‘problema’ desses problemas é que quem nasceu na miséria, não teve família nem escola, já está condenado desde a barriga da mãe.
Está morto socialmente,biologicamente o será perto dos 18.
Habitará a mansão dos mortos numa cova rasa, sem identificação, sem choro, sem vela nem homenagem.
Discutir a maioridade penal é se preocupar com o efeito e não com a causa; é tratar o sintoma e não a doença, sabendo o diagnóstico, sem a culpa de ter sido podido usar a vacina e não ter agido, sabendo que o paciente iria morrer.
A população mergulhada na violência cotidiana, anseia por segurança, e deseja o banimento da sociedade (que já há) de qualquer um que a ameace independente da idade, inclusive com a pena de morte, se possível sem muitas delongas.
Cai o mito do brasileiro pacífico e gentil: mais de 50 mil pessoas são assinadas a cada ano, e se dependesse da população aí nessa estatística estariam incluídos todos os políticos (nem sempre a voz do povo é a voz de Deus).
Para que serve a discursão sobre a maioridade penal?
O país continua criando mundos artificiais que mascaram a realidade.
Usam-se termos sofismáticos tais como apreender o menor, recolher à casa de ressocialização, medidas socioeducativas, e assim por diante.
A discursão sobre a maioridade penal serve para se ocupar espaços midiáticos, para políticos e seus partidos mostrarem que estão trabalhando, para a polêmica, para as igrejas, para as novelas e intelectuais, e enquanto isso os adolecentes diriam para todos “Ave, Caezar, morituri te salutant” (Salve, César, aqueles que vão morrer te saúdam).
Ao amigo e colega, Sílvio Rodrigues, pediatra presidente do Cremepe, que como todo pediatra defende intransigentemente a vida das crianças desse país.