Por Demétrio Magnoli, da Folha de S.
Paulo João Pedro Stédile, líder do MST e chefe do “exército de Lula”, definiu Joaquim Levy como um “infiltrado” da elite malvada no governo de Dilma Rousseff.
O deputado Rodrigo Maia, uma liderança do DEM, concorda com o diagnóstico e, em nome dele, votou pela aprovação do ajuste fiscal. “Eu quis garantir um voto de confiança ao ministro da Fazenda”, que “tem muita convergência com um partido como o nosso, que tem uma linha mais liberal na economia”, explicou à Folha.
Maia e Stédile lêem a bíblia noite e dia –apenas com a diferença de que, onde um lê branco, o outro lê negro.
Nessa convergência de fundo encontra-se a chave para decifrar o teatro de sombras da crise do lulopetismo.
Sob pressão dilacerante do PMDB, a bancada do PT fechou questão em torno da aprovação do ajuste fiscal.
Ainda assim, não votou unida: nove deputados ausentaram-se da sessão e um declarou-se contrário.
Se a oposição não se dividisse, a soma das traições petistas às outras previsíveis defecções na base governista provocaria a derrota da MP 665.
Levy agradeceu publicamente aos deputados pelo resultado.
O certo seria dirigir o gesto especificamente aos 16 oposicionistas (do DEM, do PSB e do SD) que, votando com o governo, asseguraram o esquálido triunfo.
Mas, para tudo ficar certo mesmo, o agradecimento deveria partir de Lula: Maia e os seus cumprem uma função de prestidigitação política que Stédile já não é capaz de cumprir.
Nossos liberais experimentam uma atração irresistível pela malemolência do capitalismo de estado à moda petista.
Guilherme Afif e Kátia Abreu, ministros da copa e cozinha, conectam o governo Dilma a setores cruciais do empresariado.
O ministro-despachante Gilberto Kassab opera como terceirizado do Planalto no balcão de negócios da criação de partidos.
No centro do palco, o primeiro-ministro informal Levy resgata um mínimo vital de credibilidade à economia, evitando o naufrágio da presidente.
Contudo, a narrativa política do lulopetismo, bem mais precioso entre todos, pende de uma corda esgarçada que teria se rompido sem a intervenção de Maia et caterva.
Dilma girou a política econômica, mas nunca renunciou à doutrina que produziu o fracasso de seu primeiro mandato.
Os intelectuais do PT, que abdicaram da honestidade acadêmica, descrevem a reviravolta de Dilma 2 como um fruto da maldade infinita do “mercado”, não como a consequência de um fiasco anunciado.
No seu programa de propaganda política, o PT entoou a marcha marcial da defesa dos direitos trabalhistas.
Comandada pelo partido, a CUT convocou um protesto tardio contra a MP aprovada pelos próprios petistas.
O diretor do teatro de sombras chama-se Lula, que monta o palanque de sua candidatura com as tábuas do ilusionismo.
O ex-presidente planeja emergir como restaurador de uma idade de ouro desperdiçada por sua sucessora.
Mas não pode fazê-lo sem o auxílio providencial da oposição.
Stédile, um boneco iluminado, só parece emitir sons: quem fala, de fato, é Lula.
O mito da “infiltração” de Levy confere o último fiapo de verossimilhança à narrativa pela qual o lulopetismo representa o Povo, numa batalha épica contra a Elite.
Nos tempos de FHC, o “arrocho” era obra dos tucanos.
Nos tempos de Dilma, a “austeridade” deve ser exibida como obra de Levy. Às vésperas da votação da MP 665, o PMDB subiu metade da cortina que cobre os bastidores do palco, deixando entrever a maquinaria oculta.
A outra metade, que dependia da oposição, permaneceu imóvel.
Maia fez o serviço de Stédile. “O Brasil iria quebrar hoje”, garantiu Maia, refugiando-se no patriotismo de araque para justificar seu ato de camuflagem.
O Brasil, claro, não quebraria.
A derrota do ajuste estilhaçaria, isso sim, um encanto que nos imobiliza.
Sem as luzes, as sombras e os bonecos, teríamos que sair do teatro e encarar a realidade.