Por Adeildo Nunes*, especial para o Blog A democracia é sinônimo do aperfeiçoamento social, da união e dos esforços de todos em busca da fraternidade entre os povos, mas é também de arrefecimento dos ânimos e das divergências de pensamentos e de condutas sociais diferentes, embora se saiba que esses desencontros não podem ensejar em desobediência civil que venha a violar a integridade física ou a dignidade da pessoa humana, uma vez imprescindível o cumprimento das regras constitucionais que propiciam a existência do Estado Democrático de Direito.

O Parlamento, mais do que qualquer outra instituição, congrega um conjunto de deputados e de senadores de posições políticas e de ideais diferentes, numa exaltação à democracia, já que é na discordância de ideias que se chega à verdade social, nas lições de Bobbio.

Com a posse dos novos parlamentares junto ao Congresso Nacional, no início do ano, no âmbito da Câmara dos Deputados deu-se a criação de uma Comissão de Segurança Pública, apelidada de “bancada da bala”, composta por uma maioria de deputados originariamente advindos da força pública e que pregam a introdução da pena de morte, da prisão perpétua, um aumento da pena privativa de liberdade para alguns crimes, a redução da maioridade penal para 16 anos, o fim da progressão de regime, dos encontros conjugais e das saídas temporárias de presos, em suma, trata-se de uma cópia fiel do movimento da “lei e ordem” que predominou nos EUA na era Bush e Reagan, que produziu um aumento da sua população carcerária em torno de 300%.

Hoje, os EUA possuem o maior contingente carcerário do planeta - cerca de 2,5 milhões de pessoas estão recolhidas em suas penitenciárias - sem contar aquelas que estão em liberdade condicional (1,2 milhões) ou cumprindo pena restritiva de direitos (800 mil).

Nunca é demais ressaltar que a redução da criminalidade está na certeza da punição e não na imposição de castigos físicos e morais à pessoa do criminoso, nem tampouco no aumento da pena como muita gente imagina, e que parece ser o ideal maior do movimento que tem assombrado os operadores do Direito.

Pelo contrário, a “bancada da bala” deveria discutir projetos que introduzissem uma política de segurança pública para o País, com a participação do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensorias Públicas, Polícias, OAB, imprensa, movimentos sociais de direitos humanos e da própria sociedade, dando ênfase à busca de mecanismos que efetivassem o cumprimento da Lei de Execução Penal, de 1984, que manda que dentro das prisões brasileiras existam escolas (59% dos presos são analfabetos), saúde (tuberculose, hanseníase e vírus do HIV é o que mais existe), assistência jurídica (as defensorias públicas não atuam nos presídios), social e material, omissão do Estado que fortificam os altos índices de reincidência criminal entre aqueles que cumprem pena privativa de liberdade.

Depois, não custa nada lembrar que o Brasil não possui nenhum programa de assistência aos viciados em drogas que precisam de um tratamento especializado.

O vício da droga é um problema de saúde pública e não de cadeia.

No momento em que parte da sociedade e os vários segmentos significativos do Parlamento brasileiro querem reduzir a maioridade penal para os 16 anos, é necessário meditar que a aprovação da medida tende a abastecer as nossas prisões, anualmente, com mais de 100 mil novas pessoas com idade entre os 16 e os 18 anos, que na maioria dos casos ingressa na criminalidade para manter o vício nas drogas.

Não é por falta de presos que não reduzimos a criminalidade: o Brasil já possui cerca de 650 mil pessoas presas, para 320 mil vagas. * Adeildo Nunes foi juiz de Direito. É sócio do escritório Nunes e Rêgo Barros Advogados Associados.

Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Lusíada de Lisboa.