Foto: Marcelo Horn/ GERJ Por José Maria Pereira da Nóbrega Júnior Especial para o Blog de Jamildo A Lei Federal 10.826, sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 22 de dezembro de 2003, entrou em vigor com o intuito de ser um importante instrumento de controle da violência, com destaque para a praticada com arma de fogo e, sobretudo, para colocar freio nos altíssimos níveis de homicídios do Brasil.

A Lei ficou conhecida como “Estatuto do Desarmamento” (ED) onde, a princípio, estimulou a entrega de mais de 440 mil armas de fogo em todo o país com a Campanha do Desarmamento.

Hoje é pauta no Congresso Nacional a sua revogação pela chamada “Bancada da Bala”.

Por outro lado, os seus defensores trazem ótimos argumentos para a sua manutenção.

O debate é importante, pois vivemos em democracia.

Mas, o ED foi realmente eficaz desde a sua implementação em 2003?

Vamos tentar debater em cima deste questionamento.

Colegas experientes elaboraram estudos que comprovaram a diminuição dos homicídios como resultado da política de restrição de posse e de porte de arma de fogo, regulada pela Lei Federal 10.826 (ED).

Por exemplo, os pesquisadores Gláucio Soares e Daniel Cerqueira, em artigo publicado na Revista Insight Inteligência recentemente, utilizaram uma proxy de difusão de arma de fogo para substituir empiricamente a variável independente “disponibilidade de arma de fogo” para testar o impacto do ED em relação às taxas de mortes provocadas por arma de fogo (variável dependente).

O gráfico apresentado na página 82 do referido artigo, demonstra estanque da tendência de crescimento das taxas de mortes provocadas por arma de fogo no Brasil a partir de 2003/2004.

Não obstante as grandes dificuldades metodológicas na análise dos parceiros Gláucio e Daniel, “entre 1980 e 2003 (ano da sanção do ED), o número de homicídios por arma de fogo aumentou de 6.104, para 36.576, em 2003, um aumento médio de 8,36% a cada ano.

Já em 2013 o número de homicídio chegou a 38.578, um aumento anual de 0,53% ao ano, no período pós-estatuto” (SOARES e CERQUEIRA, 2015: 84).

Os autores afirmaram que, de 2004 a 2013, mais de 121 mil pessoas seriam mortas a mais no país se não fosse o ED.

No entanto, Soares e Cerqueira terminam o artigo dizendo que as “análises não possuem o rigor científico que nos permitiria afirmar que foi somente o ED o responsável pela mudança da escalada dos óbitos por armas de foto que assolava o país desde 1980”.

Gráfico 1.

Números absolutos de homicídios Nordeste vs.

Sudeste – 2004/2013 Fonte: SIM/DATASUS.

Cálculos estatísticos do autor.

Apesar da excelente análise perpetrada pelos dois colegas, afirmo que as diferenças regionais são evidentes.

Portanto, o impacto do ED não foi tão eficaz.

No Nordeste, por exemplo, de 2004 a 2013 foi justamente o período onde as mortes provocadas por homicídio – na Paraíba, por exemplo, em média 85% dos assassinatos são perpetrados por arma de fogo, enquanto a média nacional é de 70% - o crescimento foi linear e contínuo.

Neste período, houve 85% de crescimento nos números de homicídios, o que resulta numa média anual de 8,5% de crescimento.

Em 2004 foram 11.581 homicídios perpetrados, enquanto em 2013 ultrapassou os 21 mil.

No Sudeste, apresentou-se justamente o inverso. É uma queda linear e contínua de 37,7% no comparativo 2004/2013.

Queda de 3,7% ao ano.

Em 2004 foram 24.479 assassinatos registrados, e em 2013 15.241.

Observar no gráfico acima, que a linha de tendência é extremamente correlacionada ano a ano, com um R de 0,98 para o Nordeste e de 0,83 para o Sudeste.

O que há a respeito do Nordeste que fez com que o “sistema” (político, policial e judicial) não aproveitasse as oportunidades oferecidas pelo ED?

A questão é difícil de ser respondida dada a lacuna de dados confiáveis, mas o único Estado da região a apresentar redução da violência homicida foi Pernambuco onde, dentre outros fatores como a política de apreensão de armas, investiu-se fortemente em prisões de homicidas seriados o que impactou significativamente na redução dos homicídios naquele Estado (NÓBREGA JR., 2014).

O ED, legalmente, vige em todo o território nacional, portanto as diferenças entre regiões no seu efeito são externas a ele.

A falta de conexão regional é pontual no Nordeste e provavelmente em outras regiões que apresentaram crescimento mais forte que o nível nacional.

O estanque das mortes provocadas por arma de fogo foi localizada em algumas Unidades Federativas.

Como São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco, principalmente nos dois primeiros, que tiveram grande impacto no valor agregado das mortes provocadas por arma de fogo no país como um todo.

As causas da criminalidade violenta são múltiplas.

Vejo o ED como pouco relevante quando não acompanhado de políticas públicas bem planejadas.

Apesar de sua importância do ponto de vista pedagógico, o ED, no máximo, seria uma variável interveniente na criminalidade violenta se não acompanhado de políticas públicas de Estado efetivas.

Bibliografia NÓBREGA JR., José Maria P. da.

Políticas públicas e segurança pública em Pernambuco: o case pernambucano e a redução da violência homicida.

Latitude, Vol. 8, nº 2, pp. 315-335, 2014.

SOARES, Gláucio A.

D.; e CERQUEIRA, Daniel.

Estatuto do Desarmamento.

Um tiro que não saiu pela culatra.

Insight Inteligência.

Ano XVII.

No. 68.

Janeiro/fevereiro/março de 2015.

Doutor em Ciência Política pela UFPE.

Professor e Pesquisador da UFCG/CDSA, Campus de Sumé.

Coordenador do NEVU.

E-mail: jmnobrega@ufcg.edu.br