Por André Singer Era personagem que não podia faltar.
Em qualquer peça de trapalhadas, a aparição do Mordomo, elegante e impassível, dá o necessário respiro ao entrecho.
Ao retirar Michel Temer da confortável obscuridade que usufruía no Palácio do Jaburu, colocando-o sob os holofotes no papel de todo-poderoso articulador, a Rainha produziu uma pausa dramática.
Nada, porém, garante que o Mordomo seja capaz de conferir racionalidade prolongada a um processo que perdeu o centro.
O meteórico enfraquecimento da Rainha priva o sistema do seu ponto de equilíbrio.
No Brasil, a Presidência da República –ao condensar a chefia de Estado e de governo, a representação da maioria absoluta do eleitorado nacional e o comando do bloco majoritário no Congresso, o controle do Orçamento e a capacidade de intervir na economia– funciona como direção geral para a sociedade.
Não que a Presidência consiga ordenar o país.
Nação continental, cortada por profundas desigualdades sociais e regionais, com um desenvolvimento capitalista truncado, é sempre uma confusão.
Porém, em períodos normais, a confusão tem núcleo.
Quando o/a presidente perde peso específico, cada fragmento começa a girar ao redor de si mesmo, produzindo um efeito entrópico dos diabos.
Veja-se o caso das ações recentes do Legislativo.
Vestindo a pele de dois garotos traquinas, dia sim, dia não, Renan Calheiros e Eduardo Cunha lançam petardos sobre o Planalto.
A única lógica de tais rojões tem sido a de afirmar o poder de lançá-los.
Embora o presidente do Senado diga que falta à coalizão governista um programa unificador –no que tem razão–, as manobras da dupla são arbitrárias.
De uma parte, criam problemas para o ajuste de Mãos de Tesoura: Calheiros devolveu a MP das desonerações e Cunha ameaçou a aprovação das MPs trabalhistas.
De outra, aceleram a precarização do trabalho por meio das terceirizações e recolocam na pauta a independência do Banco Central.
Afinal, de que lado da luta de classes estão os travessos?
De nenhum. É claro que, no frigir dos ovos, a pauta conservadora tem muito mais apelo no coração dos meninos maluquinhos, os quais percebem para onde sopra o vento e querem apoio para safar-se dos apertos que lhes prepara o trio de justiceiros, Moro, Janot e Zavascki.
Como a estratégia de ambos consiste em jogar no colo da Rainha e do PT, ambos do campo da esquerda, as culpas do mundo, será desde a direita, de preferência, que irão atirar.
O Mordomo vai chamar os peraltas para lanchar no Jaburu e proporá um acordo.
Vai funcionar para aprovar o famigerado plano de Mãos de Tesoura.
Depois o bombardeio recomeça e o roteiro retoma o ar de comédia a que já começávamos a nos acostumar.