Por Marchezan Albuquerque Taveira Auditor-Fiscal da Receita Federal Especial para o Blog de Jamildo A quem interessa a deterioração da máquina responsável por suprir a maior parte dos recursos vitais à sobrevivência do Estado brasileiro?

A Receita Federal acaba de ser surpreendida por uma manobra legislativa que pode significar um profundo desarranjo na sua estrutura e nas suas funções, com efeito potencialmente devastador no desempenho do órgão, ainda um dos mais eficientes da quase sempre morosa burocracia brasileira.

Esta semana, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou o relatório da Medida Provisória 660/2014, que, originalmente, dispõe sobre a situação funcional de servidores do antigo território federal de Rondônia e que deve ir a plenário nos próximos dias.

Seguindo um repertório relativamente comum na prática legislativa brasileira, foram enxertados no teor da MP dois dispositivos completamente estranhos ao seu objeto e que propõem uma abrangente e perniciosa metamorfose na Receita Federal, podendo fomentar graves distorções na sua atuação.

Em síntese, tais normas cometem atribuições típicas e privativas de Auditores-Fiscais a servidores de função auxiliar do órgão, num ilegal reavivamento do instituto da ascensão, há muito banido do ordenamento jurídico pátrio. É como se, por um passe de mágica, o contingente de fiscais dobrasse da noite para o dia.

Não bastasse pegar carona numa Medida Provisória cujo escopo era totalmente diverso – a justa definição do futuro de servidores de um ex-território federal –, a iniciativa padece de irremediável inconstitucionalidade, uma vez que apenas o Presidente da República possui competência para iniciar o processo legislativo de normas que disponham sobre o regime jurídico do funcionalismo da União.

Ademais, constitui um gesto que fere de morte um dos pilares da administração pública, o concurso, em uma organização ainda reconhecida pela excelência e pelo perfil estritamente técnico dos seus quadros.

Duplicar o quantitativo de servidores na fiscalização de tributos federais, sem o processo criterioso e imparcial do concurso público, numa manobra executada à sorrelfa, é hipótese tão esdrúxula quanto inadmissível, sob qualquer ponto de vista.

O atual estágio das nossas instituições não permite tal investida contra princípios consagrados na Carta Magna.

O próprio secretário da Receita Federal já teve oportunidade de manifestar sua contrariedade diante dos enormes riscos embutidos nesse perigoso balão de ensaio.

A vulnerabilidade do momento por que passa a nação, vergada sob o peso de um austero ajuste fiscal, não deixa margem a experimentos temerários em um órgão tão essencial como a Receita.

O crédito tributário é um ativo sensível e cujo tratamento necessita de sólido embasamento legal, sob pena de não chegar a se converter em renda para o Estado.

Minúsculos vícios formais podem levar à anulação administrativa ou judicial de grandes dívidas e, assim, acarretar prejuízos gigantescos ao erário.

Se isso é verdade, o que dizer, então, da violenta tentativa de impor aos cidadãos e às empresas brasileiras um modelo flagrantemente inconstitucional de fiscalização e cobrança de impostos, protagonizado por servidores que juridicamente não podem exercer tais atribuições?

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