Por Manuela Modesto, especial para o Blog de Jamildo Poderia ter sido um sábado como outro qualquer em que passeava displicentemente pelo shopping, não fosse o meu eventual encontro com um garoto, de aproximadamente 11 anos, e sua mãe, que me relatou animadamente que o filho acabara de apontar para mim e dizer: “Olha mãe que moça bonita, pena que está na cadeira de rodas.”, no que a mãe retrucou: “Filho, ela não deixou de ser bonita por estar na cadeira de rodas.".
Ouvi a narração do diálogo, ri, agradeci ao filho pelo elogio e parabenizei a mãe por educar seu filho sem preconceitos e continuei refletindo sobre o acontecido.
Afinal, apesar do elogio despertar a vaidade natural a toda mulher, aquele garoto, na sua pureza de sentimentos, externou o que a maioria das pessoas pensava, sem oralizar, quando se deparava com uma pessoa na cadeira de rodas, ou seja, que o cadeirante seria um enfermo, ou alguém com um problema muito grave, ou um inválido e incapaz de continuar a viver normalmente, estudar, trabalhar, passear, namorar, casar, ter filhos…
Ademais, posso afirmar com convicção e experiência que a falta de visibilidade para as pessoas com deficiência e políticas que garantam o seu direito de ir e vir nas cidades brasileiras, faz com que praticamente ¼ da nossa população composta por pessoas com deficiência, ou quase 50 milhões de brasileiros, ainda sejam vistos como “diferentes”, “especiais”, “doentes”, quando já deveriam estar completamente integrados na nossa sociedade e contribuindo de forma ativa para a geração de riquezas no nosso país.
Lembro-me, também, de outro episódio interessante em que um amigo do trabalho levou suas filhas ao escritório e uma delas me perguntou se eu estava na cadeira de rodas porque estava doente.
A bem da verdade, esse questionamento é tão frequente que não chega a me provocar mais nenhuma estranheza, porém o que ainda me assusta é verificar como a nossa sociedade ainda está despreparada para receber com um mínimo de naturalidade as pessoas com deficiência.
Aliás, no carnaval desse ano quando um rapaz de 30 anos pegou na minha cabeça e falou comigo como se eu tivesse 10 anos de idade, quase que eu perdia a compostura e discursava rispidamente que estava na cadeira de rodas, mas continuava sendo uma mulher.
Enfim, todos esses recentes episódios me fizeram recordar quando há quatro anos sai do hospital já reabilitada de corpo e alma para encarar a vida nova na cadeira de rodas e me surpreendi por não entender o porquê das pessoas me encararem de modo tão inusitado, já que eu não me sentia diferente delas.
Acontece que algumas pessoas que eram antigos amigos e colegas quando me viam ficavam “chocadas” e “penalizadas” com o fato de eu estar cadeirante e me tratavam como se eu não tivesse mais nenhuma chance na vida a partir de então, outras simplesmente sumiram da minha vida como se eu tivesse morrido após o acidente, e os desconhecidos ou me olhavam como se vissem um ET, ou simplesmente fingiam que não estavam me vendo.
No inicio dessa nova jornada queria impor minha presença em tudo, até nos locais de difícil acesso, com o objetivo de ser vista, para mostrar que existem pessoas com deficiência no Mundo e que elas têm o direito e querem viver uma vida normal, no entanto com o passar do tempo fui ficando incomodada com os olhares curiosos e mais incomodada ainda com a indiferença e tenho que confessar que quis sumir…
E passei um tempo assim sumida do mundo em sociedade e concentrada no “Mundo Fantástico da Manuela” em que participava um seleto grupo de pessoas que eu confiava e que sabia que me amava.
Não ignorava, por evidente, a possibilidade daquela introspecção ser ao mesmo tempo uma proteção e uma fuga do mundo real, mas estava cansada de sofrer…
Porém se a crise nos ensina algo, é que ou mudamos de verdade de dentro para fora ou corremos o sério risco de sucumbir cada vez mais a uma ilusão que não retrata a nossa vida real e, então, num lampejo de consciência retornei ao mundo em sociedade, já que era impossível negar que a minha opção sempre foi contribuir para mudar o Mundo e não fugir dele, mesmo que isso tenha como contrapartida algum sofrimento envolvido.
Assim, superei meus medos, engoli minhas mágoas, aprendi a administrar o sofrimento e voltei para a vida real e para o vasto mundo que me esperava cheio de momentos indescritíveis, pessoas imprescindíveis e novas descobertas surpreendentes.
E vi que estar viva é o grande milagre de Deus e que por mais dificuldades que tenhamos que enfrentar a vida sempre pode nos surpreender.
Outro dia estava na livraria cultura com meus sobrinhos e um amigo cadeirante e o condutor do elevador disse que não sabe o que nos aconteceu para estarmos na cadeira de rodas, mas nos observando de longe tinha a certeza que éramos felizes e que isso era o que importava.
Ele estava certíssimo!
A minha vida não é como eu planejei ou como esperava que fosse, mas sigo construindo pontes, abrindo caminhos e como engenheira, essa é a maior obra que eu poderia executar em busca da felicidade e de um mundo mais inclusivo.
Enfim, como diria Val Marques: “Nada é mais deficiente que o preconceito e nada mais eficiente que o amor.”.
E sigo acreditando que um dia o amor e o conhecimento irão vencer o Preconceito…