Por Michel Zaidan Filho Passei esses últimos dois dias respondendo a perguntas (da imprensa) sobre as manifestações populares de domingo.

Primeiro, o equívoco de compara-las com as manifestações" fora-Collor", dos anos noventa, em que pela primeira vez se afastou legalmente um Presidente da República, por improbidade administrativa.

Segundo, a desigual comparação entre a baixa popularidade da Presidente Dilma, nesse início de mandato, e a baixa popularidade de Collor, no fim do seu mandato.

Terceiro, a magnitude do protesto que informaria a tese de que só a classe média e alta estariam contra a Presidenta.

E finalmente, a idéia do Impeachment e a volta da Ditadura Militar. 0 nosso país é uma nação paradoxal.

Se vivêssemos sob um regime ditatorial como seriam possíveis tais manifestações de rua, em todo o país, criticando o governo, pedindo seu afastamento e a quebra das instituições políticas vigentes? - Se há manifestações amplas, plurais, heterogêneas, que dizem com toda liberdade o que querem, certamente não estamos nem no Egito nem na Venezuela.

Estamos num país em que, malgrado todas as mazelas institucionais, as pessoas têm o direito de externar seus descontentamento e pedir em público o fim dessas liberdades.

Outra coisa é saber a razão desses protestos.

São eleitoreiros? golpistas?

Revanchistas ou inconformados com o resultado das eleições? - Ora, até a Presidente Dilma reconheceu erros na condução de sua política anticíclica e humildemente pediu um diálogo com a sociedade para encontrar saídas para a crise econômica e política que ora atravessamos no Brasil.

Os protestos populares não são coisa da oposição ou de ressentidos.

São alimentados por problemas reais que afetam a maioria do povo brasileiro, entre os quais a corrupção é apenas um deles.

Basta ver os indicadores econômico e seu impacto sobre o bolso dos trabalhadores, sem falar no custo do ajuste fiscal.

Há motivos de sobra para o descontentamento popular, sobretudo quando se comparava a esta casta de privilegiados que compõe o Poder Judiciário e o Poder Legislativo. É natural que haja uma grande indignação popular com a irrelevância de um Parlamento caro e que legisla em causa própria.

Fala-se em autonomia e liberdade para votar medidas e projetos de lei.

Mas a verdade é o custo, o sobrepreço que esses parlamentares fixam para cumprir suas obrigações constitucionais: fazer as leis do país.

Como disse a Chefe do Poder Executivo a corrupção é “uma velha senhora”.

Não nasceu ontem e nem vive exclusivamente entre nós.

Como dizia a Hanna Arendt os Parlamentos modernos tornaram-se mercados, onde se viabilizam interesses e objetivos que estão longe do republicanismo.

E o principal modelo é a própria democracia norte-americana, apelidada por alguns de “oligarquia financeira”.

A diferença é que nos outros países ela é combatida e punida exemplarmente.

Entre nós parece que a tese de que o crime compensa, se o criminoso não for pego pela Justiça, é amplamente aceita.

Sobretudo, os crimes de colarinho branco, praticados pela nossa elite política e econômica. É o caso de se prestar atenção na punição que receberão os que foram denunciados e sentenciados na operação Lava-Jato.

Claro que o pacote anticorrupção vem em boa hora e a ideia de se promover uma ampla reforma política, também.

Mas sem o nascimento de uma nova cultura política republicana e a punição exemplar dos criminosos de colarinho branco - seja santos ou pecadores - é muito difícil combater a corrupção em nosso país.

Numa sociedade onde os jogos de azar, o enriquecimento fácil, a elisão fiscal, o contrabando, a lavagem de dinheiro parecem ser estimulados abertamente, não é razoável que o cidadão comum fique satisfeito em pagar - caro - um ajuste fiscal, que deve alimentar a especulação financeira. É uma revolta compreensível essa.

Outra coisa é ir à rua pedir um golpe de Estado ou o afastamento de uma Presidenta recém-eleita, sem base jurídica ou legal para isso.

Aí trata-se de um crime de lesa-democracia, liberticida, que deve ser combatido pelas instâncias legais e judiciárias.

Fazer propaganda pública - em inglês - por uma intervenção militar no Brasil não é só uma irresponsabilidade grande é um crime contra as liberdades públicas em nosso país.

Se as instituições judiciárias e policiais, bem como a imprensa - não estivessem fazendo o seu trabalho, sem interferência do governo ou de partidos, seriam o caso de denunciar junto a OEA, a ONU ou ao TPI, a falta de liberdade no Brasil.

Mas não é o que está acontecendo.

Toda essa manifestação de descontentamento tem sido alimentada pelas informações da Operação Lava-Jato e da ampla cobertura dos meios de comunicação de massa.

A democracia não é um torneio ou um campeonato de quem é contra ou a favor, é um regime de formação racional da opinião e vontade política da sociedade.

E só se faz isso com o mais amplo direito à informação.

Infelizmente, nem o Congresso nem o ambiente econômico têm ajudado nesse momento.

E isso agrava a sensação de uma crise institucional no país.

Diálogo, prudência e espírito público ajudariam muito a buscar saídas para essa crise.