Por Michael Zaidan Filho Estava eu lendo uma tese de Doutorado em Filosofia sobre a proposta hegeliana de um Estado Ético, onde a liberdade do cidadão encontra-se no respeito à lei e me vi obrigado a opinar sobre os desdobramentos da Operação lava-jato sobre a política e o Congresso Nacional.

Como se já não bastasse o ambiente turvo da economia brasileira, com aumento de impostos e redução de direitos trabalhistas, em nome do ajuste fiscal, parece que entramos no pior dos mundos possíveis.

Num regime presidencialista como o nosso a pior coisa que pode acontecer é um presidente da República fraco ou que se veja obrigado a fazer tantas concessões aos “aliados” que termine por desfigurar a sua gestão.

Nesse nosso arremedo de presidencialismo de coalizão (embora o melhor termo seja de cooptação), há quem admita que os avanços legislativos - econômicos e sociais - só foram possíveis a partir de coalizões centralizadoras, onde o Poder Legislativo foi posto de lado.

Mas isso só é possível em situações excepcionais, com o Congresso fechado ou sem suas prerrogativas constitucionais.

Em situações normais, com a Casa funcionando plenamente o exercício do Poder Executivo e a possibilidade da execução de sua agenda política dependem necessariamente do apoio de uma maioria parlamentar nas duas casas do Congresso. É aí onde se encontra os desafios à governabilidade da atual gestão presidencial.

Parece que a presidenta (sic) acaba de perder o apoio da maioria em ambas as casas, apesar de formalmente desfrutar do apoio do maior partido do Congresso Nacional (o PMDB de Jarbas, Renan, Jader, Sarney etc.) Os indícios levam a pensar que o resultado das eleições presidenciais, no ano passado, preparou esse cenário de crise que estamos assistindo: o PMDB deve ter visto na vitória apertada da presidente Dilma uma forma de chantageá-la, a todo momento.

Se a eleição da Presidência da Câmara dos Deputados era previsível, em função do alto grau de fragmentação e conservadorismo da atual legislatura, pior - muito pior - foi a eleição de Renan Calheiros para a Presidência do Senado Federal, onde se esperava que a Chefe do Poder Executivo dispusesse de uma ampla e confortável maioria.

Enganou-se.

Se no Estado Ético da filosofia hegeliana o império da lei ou da legalidade é a base do governo, na República brasileira, pelo visto, é o atendimento ou não dos interesses da chamada base aliada.

Tendo o nobre senador sido contrariado em algumas de suas demandas particulares, a retaliação não se fez esperar através do jogo de cena da rejeição da MP do aumento da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento das empresas.

Não se discute aqui a técnica legislativa, o escopo da Medida Provisória ou se era constitucional ou não o aumento de impostos por essa via.

O fato é que se outro fosse o relacionamento do Poder Executivo, com o Congresso, os partidos políticos e os nobres parlamentares, nada disso poderia ter acontecido.

Mais grave é a imensa sombra da famosa lista do procurador geral da República sobre os atuais membros do Poder Legislativo.

Há muita angústia e apreensão entre vivos e mortos e parentes de mortos sobre os nomes que lá estarão estampados e que muito brevemente serão amplamente veiculados pela imprensa, logo que o relator do processo autorize a quebra do sigilo e aceite os pedidos de investigação.

Embora no Direito penal brasileiro, a presunção de inocência seja um princípio basilar, a reputação moral dos nomes que estão naquela lista será profundamente afetada pela sua veiculação.

Não há certidão de inocência ou de “nada consta” que ajude a reparar os danos morais provocados pelo estrago da divulgação.

Os parlamentares (fala-se em 52 nomes) envolvidos nessa questão tendem a transferir para o governo o ônus desse desgaste e gostariam que os escalões superiores se mexessem.

O governo, por seu turno, quer distância dessa matéria, mas quer transferir para os parlamentares o ônus das medidas impopulares do ajuste fiscal.

Naturalmente que tem pretensões eleitorais, a médio e curto prazo, não quer saber de marola.

Se puder fritar o governo no Congresso, fará.

Neste filme não tem mocinhos.

Só bandidos ou malandros.

Ninguém quer ficar com o ônus político da má fama.

Só com o bônus.

Esse é o estado de desagregação política e moral da república brasileira.

A pior coisa que podia ter acontecido no início de um mandato, com tantos problemas graves a serem resolvidos.

Pelo visto, ninguém quer saber o interesse público.

Cada um está mais preocupado em se salvar da catástrofe.