Por Manuela Dantas, especial para o Blog de Jamildo Não sei precisar qual a trilha da vida que me levou ao fatídico dia do acidente de carro que me deixou paraplégica, ou se apenas estava no lugar errado, na hora errada, no carro errado…

O que sei é que os meses que sucederam ao acidente foram repletos de profunda dor e sofrimento.

Soube, alguns dias após o acidente, que iria passar um longo tempo na cadeira de rodas e não posso mentir que naquele instante o meu primeiro desejo foi a morte.

De súbito, uma dor profunda se instalou em mim e o desespero quase me dominou.

A partir daquele momento, passei a questionar o que eu poderia ter feito para merecer aquele destino que me causava sofrimento, já que a minha tendência naturalmente racional, apontava-me como uma pessoa muitas vezes incisiva nas opiniões, mas acima de tudo justa e correta nas ações.

Ademais, na contramão dos meus pares, eu sempre procurava dedicar uma parte do meu tempo a fazer campanhas de acolhimento e apoio aos mais necessitados, as quais participava com verdadeira comoção e sempre convencia alguns amigos a participar comigo dessa empreitada.

Por isso, eu pensava, ponderava, sucumbia a insônia, questionava a Deus, corroía a alma, já que me obcecava saber o porquê de eu estar naquela condição.

Mas, não encontrava respostas paupáveis…

Com o tempo e a vivência de nove meses em ambientes hospitalares, conheci muita gente que tinha passado por desastres terríveis e algumas daquelas pessoas eram detentoras de histórias de vida excepcionais, que faziam eu me envergonhar por um dia eu ter desejado a morte.

Compreendi que essas pessoas em nada eram merecedoras da tristeza, das lágrimas e do sofrimento, na verdade, eram admiráveis.

Então, percebi que eu estava fazendo o questionamento errado…

Eu não deveria perguntar: “O que eu fiz para ser merecedora dessa realidade, que me causava sofrimento?”, mas deveria perguntar: “Diante desse aprendizado, como posso ajudar para que outras pessoas não sofram o que eu sofri, ou para amenizar o seu sofrimento?”.

Quando tive essa revelação, finalmente voltei a dormir, e isso já aliviou bastante o meu sofrimento.

Descobri que eu tinha agora uma missão!

Eu iria ajudar a aliviar a dor dos meus companheiros de hospital e fiz isso com todo o amor, que nem mesmo eu sabia que era capaz de ter e doar.

Aliás, posso confessar uma coisa para vocês?

Dedicar meu tempo a esses amigos do hospital, que sofriam, como eu tinha sofrido, fez-me tão bem, que eu não sabia precisar se fazia melhor para mim, ou para eles.

Só sei que demos boas risadas cantando Chico Buarque e tocando violão.

Ao voltar para Recife, 1 ano após o acidente, sentia-me reabilitada, até mais de alma do que de corpo, o qual ainda reclamava muito quando eu excedia suas novas limitações.

Não por acaso, em busca de seguir a minha nova missão, centrei minhas atenções ao Centro de Reabilitação do Imip, que poderia ajudar com reabilitação e informação as pessoas com deficiência que tinham dificuldade em sair de Pernambuco para ir para outros Centros de referência, afinal não podia esquecer que temos a quinta maior quantidade de pessoas com deficiência do país, que merecem ter uma assistência médica qualificada e especializada.

No mais, com esse mesmo intuito, passei a escrever essa Coluna de Acessibilidade em Agosto de 2011 para dar mais visibilidade às pessoas com deficiência, colaborar na conscientização de todos na utilização errônea das vagas preferenciais, lutar por mais respeito e menos preconceito com as pessoas com deficiência, por mais fiscalização do executivo quanto aos direitos dessas pessoas e por mais acessibilidade nas cidades brasileiras.

E hoje, mais de quatro anos após o meu acidente, olho para trás e vejo que continuo lutando pelas mesmas causas desde que iniciei a Coluna.

Suponho que algumas das causas que batalho melhoraram, outras nem tanto, mas sou teimosa, não sei bem se esse é um defeito, ou uma qualidade, mas como diria Clarice Lispector: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso.

Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.” , e sigo, com minhas missões, minhas virtudes, meus defeitos, mas, sobretudo, com meu edifício inteiro e, curiosamente, em pé.