Por Roberto Numeriano Em julho de 2004, em um assalto ocorrido no bairro de Afogados, por volta das 19 horas, fui atingido por uma bala na cabeça.

Havia reduzido a marcha do meu carro porque o sinal estava intermitente e me aproximava de um cruzamento.

Um carro à minha frente estava também muito lento, pelo mesmo motivo.

Nesse dia, por uma infeliz coincidência, eu havia baixado o vidro do meu lado.

Nunca faço isso, por causa do calor e da violência.

Mas estava baixo, e foi a conta para o que ocorreu.

Já próximo de cruzar a transversal, vi um rapaz que desceu na pista, sobre a faixa de pedestre, e então fiquei preocupado se ele iria avançar mesmo diante do referido carro que também já estava praticamente sobre a faixa.

Enquanto olhava pra esse rapaz e observava se viria outro carro dessa transversal à direita, não percebi, atrás de uma árvore na calçada, à esquerda, um homem que saiu dali e disse “pare”, com o revólver bem próximo da janela.

Não sei se ele se “assustou”, se quis mesmo me atingir, mas o fato é que entre esse grito e o tiro, passaram-se menos de dois segundos.

Senti o impacto no rosto e passei a 3ª marcha, pensando no instante que o tiro pegara de raspão.

Avancei quase um quilômetro e então senti minha camisa, na altura do peito, empapada de sangue.

Eu não sentira de imediato esse sangue porque, na época, por causa da barba, ele não escorreu rapidamente.

Parei o carro na casa do meu amigo Vladimir e pedi socorro.

A coisa estava realmente feia, porque as crianças que me viram ficaram espantadas.

Quem me socorreu foi o irmão do Vladimir, o Osires, a quem sou eternamente grato.

O resto é história.

Cinco horas de cirurgia.

Uma traqueostomia.

Alguns dias numa UTI.

Titânio no rosto.

Menos de um mês depois recebi o comunicado da CAPES de que o meu projeto de doutoramento em Portugal fora aprovado.

Arrumei as trouxas e fui embora para uma pesquisa de um ano em Portugal e Espanha.

Quando voltei, os dois homens envolvidos no assalto já estavam mortos (quem atirou em mim, com três balas na cabeça, e o outro foi morto em Boa Viagem, atingido por um comparsa durante um assalto em um posto de gasolina).

Faço esse registro porque, dez anos depois, vivemos um quadro de violência ainda pior no Recife e no Estado, com todo o estardalhaço político do Pacto pela Vida.

E também pra dizer que somos frágeis e vulneráveis.

Poderia estar morto há dez anos, e somente aqueles que realmente me amam estariam lembrando de mim com saudades.

Roberto Numeriano é jornalista, professor e pós-doutor em Ciência Política.