Em editorial da Folha de São Paulo Se o esquema de corrupção na Petrobras causou assombro em 2014 pelos montantes desviados e pela desfaçatez com que agiam os envolvidos, a Operação Lava Jato provocou surpresa com uma novidade procedimental: o uso sistemático das delações premiadas.

A eficácia do mecanismo logo chama a atenção.

Na maioria dos escândalos anteriores, as apurações pouco avançavam além dos personagens diretamente flagrados na pilhagem.

O alto escalão raramente se via atingido.

Agora, diretores de grandes empreiteiras não só foram presos mas também revelaram o que sabiam.

Se os investigadores conseguirem aliar aos relatos as necessárias provas materiais, terão condições de instruir processos sólidos, com eventual responsabilização penal de executivos e devolução do dinheiro desviado.

A mudança de atitude se explica pela teoria dos jogos.

Sem a delação premiada, os acordos de silêncio, que dificultam o avanço dos inquéritos, constituem a melhor estratégia para os investigados.

Quando, no entanto, ao menos um envolvido decide trocar informações por benefícios jurídicos, os outros passam a ter mais a perder com a escolha de não colaborar.

A consequência ficou evidente no curso da Lava Jato: as apurações ganham velocidade e alcance.

Ainda assim, sobretudo entre os advogados, não faltam críticas ao instituto.

Do ponto de vista técnico, por exemplo, argumenta-se que a ferramenta rompe com o princípio da proporcionalidade da pena.

Dois atores que tenham apresentado idêntica conduta criminosa podem receber sanções diferentes.

São, contudo, as objeções morais que se fazem mais rumorosas.

A noção de lealdade ao grupo parece tão entranhada nos seres humanos que não passa sem certa repulsa o incentivo à traição –mesmo que ela ocorra entre bandidos e proporcione benefício público.

Também se afirma que as prisões cautelares pressionam os investigados a falar, como se fossem –passe a hipérbole típica dos defensores– uma forma de tortura.

Os argumentos merecem reflexão; abusos, em qualquer circunstância, precisam ser combatidos, e as balizas legais jamais podem ser afastadas num Estado de Direito.

Daí não decorre, no entanto, que a delação premiada deva ser descartada.

Os que se beneficiaram da corrupção sabem o quanto violaram a confiança da sociedade; não deveriam pedir ao poder público que se preocupe com a promoção da ética entre delinquentes.