Por Evaldo Costa, especial para o Blog Escolhi para ilustrar estas linhas uma fotografia de 1992, época em que fumava e praticava esportes e não via como uma coisa poderia ir de encontro à outra.
Na verdade, eu fumava praticamente as 24 horas do dia, consumindo, no mínimo, 40 cigarros ao longo de uma jornada que começava ao amanhecer e se estendia pelas madrugadas de boemia.
Sim, jogava futsal todos os sábados e, em algumas quartas-feiras, treinava basquete no Círculo Militar.
Uma dúzia de anos depois, muita coisa mudou.
Já não fumo (desde 2001) e o máximo de atividade física que os médicos me recomendam é hidroginástica, RPG ou pilates.
A boemia também foi drasticamente reduzida, só não sendo completamente abolida graças às boas (más) companhias de alguns amigos, com os quais só é possível interagir em mesa de bar.
No tempo em que fumava, eram nulos os cerceamentos ao direito à fumaça.
O tabagismo era associado a maturidade e independência, quando não a charme e distinção.
No começo, fumar na frente dos pais era um drama para adultos e jovens.
Não foram poucos os que foram obrigados a engolir um hollywood a tabefes.
Mas a pressão tinha vida curta.
Como os pais também fumavam, ficava difícil proibir pra sempre.
Faço esse pequeno esforço de rememoração depois de conhecer a duríssima lei antitabagismo que acaba de entrar em vigor no país.
Reconheço que o fumo faz mal à saúde.
Quem diz isso são pesquisas cientificas.
Ponto.
Mas será que é mesmo o caso de tratar o fumante como pária e o tabagismo como última praga da humanidade?
Quem quiser concordar com isso, que se divirta.
Eu discordo da lei e acho que ela configura um abuso, uma agressão ao indivíduo.
Um cerceamento arbitrário e inexplicável do direito que cada um nós tem que ter de fazer o que quiser, estando ciente das consequências.
E desde também, é claro, que não incomode quem nada tem a ver com seus hábitos.
No meu modo de ver, esta lei foi feita sob medida para demonstrar o paradoxo brasileiro que faz de nós um povo, a um só tempo, permissivo e abusivamente cerceador das liberdades individuais. É como se fôssemos, alternadamente, Ruth e Raquel, personagens de folhetim televisivo que a todo instante oscilam de caráter.
Numa situação, que a muitos pareceria escandalosa, reagimos com tolerância e bonomia.
Em outra, que o bom senso aconselharia complacência, exercitamos dureza implacável.
Para usar uma explicação da psiquiatria, somos como um paciente acometido do chamado ‘Transtorno Dissociativo de Personalidade’, condição mental em que a pessoa assume duas ou mais identidades distintas.
O cinema – e até os desenhos animados – já exploraram à exaustão histórias de pessoas – em geral mulheres – de dupla e dicotômica personalidade, que ora se mostram doces e cândidas, outros momentos assustam pela capacidade de fazer o mal. Ótimos exemplos são Ruth e Raquel, representadas por Gloria Pires (“Mulheres de Areia”,1993), e a “Eve” de Joane Woodward (“As três faces de Eva”,1957), que se repartia em várias personas, sendo, num momento, uma recatada dona de casa e, na mesma conversa, uma libertina escandalosa.
Ok, vamos obrigar os fumantes a contemplar fotos de IML estampadas em seus maços de cigarro.
Contra o estado da arte da psicologia cognitiva, toda ela fundada na “autoconstrução do conhecimento” e na liberdade, vamos aceitar que seja educativo, didático.
O convencimento pelo terror.
Vamos admitir que se proíba o fumo em lugares públicos, entendendo ser direito de que não fuma ficar longe da fumaça e da nicotina.
Mas, me diga, que sentido tem proibir a liberação de fumódromos, áreas onde os infelizes ficam trancafiados, como pacientes com ebola?
Diga se não é violento abuso dar a quem fuma um cigarrinho careta menos direitos do que se dá a quem, por exemplo, foi condenado em longo e meticuloso processo judicial por corrupção ativa, passiva, formação de quadrilha, subtração de recursos públicos etc etc?
Pergunte a algum amigo seu, recalcitrante, se não gostaria ter advogados tão competentes quanto os dos mensaleiros para garantir seu (dele) direito a uma baforadazinha de vez em quando!
E por falar em corrupção: saiu na Folha de S Paulo deste domingo reportagem sobre pesquisa do Instituto Datafolha que avaliou como os brasileiros veem a corrupção.
O tema em debate não é mais o mensalão, claro, agora que (quase) todos os réus conquistaram o direito de ir cumprir pena em casa, quando não ficaram formalmente livres daquelas sentenças de dois dígitos cuja existência nos autorizou a dizer que o Brasil havia mudado.
O instituto consultou brasileiros de todas as faixas etárias, regiões, sexo e níveis de renda sobre as responsabilidades e consequências do chamado “Escândalo do Petrolão”.
Você sabe, são essas denúncias que já colocaram dois diretores da Petrobras na cadeia e nos dão a certeza, por “a” mais “ b”, de que somas bilionárias (em bilhões de dólares!) foram roubadas da grande empresa estatal.
E o que achamos daquilo tudo eu, você, todos nós, os brasileiros?
Em primeiro lugar, 68% opinaram que Dilma Roussef, como presidente do principal órgão de direção da empresa (o Conselho de Administração) por oito anos e, como Presidente da República, por quatro anos, tem responsabilidade pelos desvios e toda sorte de falcatruas que por lá aconteceram.
Apesar disso, 42% continuam avaliando o governo dela como ótimo e bom.
Mas o mais interessante ainda está por vir.
Segundo a pesquisa, somente míseros 9% (antes do Petrolão eram 14%) dos brasileiros consideram a corrupção um problema para o país.
A matéria não revela se os pesquisadores discutiram com os entrevistados a possibilidade de a corrupção ser positiva para a nação.
Fosse no meu Face, colocaria aqui a hashtag #medo…
Então, que fique claro para essa mínima minoria (inferior a um em dez) que fica falando em corrupção, por certo movida por ímpetos golpistas.
A corrupção, se já foi algum dia, não é mais, de forma alguma, um problema para o país.
Esqueça a ideia anacrônica de que os corruptos retiram recursos das políticas públicas e engordam contas bilionárias no exterior.
Ruim para o Brasil é fumar em público; reprovável é você danificar seus próprios pulmões com cigarros comprados com seu pobre salário.
Enquadre-se!
Sigamos sendo o país que somos.
Para os corruptos, a liberdade e o conforto de suas mansões de bilionários, sob a carinhosa acolhida da doce Ruth.
Para os devoradores de nicotina, o duro senso de justiça de Raquel e nenhum regalo, nem mesmo o inóspito refúgio de um fedorento fumódromo.
Pra frente, Brasil!