Por Roberto Numeriano, jornalista Passei esta semana que termina em viagem de trabalho pelo interior de Pernambuco.
Nessas viagens, visito muitos municípios.
Dessa vez, encerrei o trabalho em Arcoverde, na sexta, onde cheguei um dia antes.
Foi em Arcoverde que precisei ir a um hospital, pois desde a terça surgiu uma dermatose na região do pescoço.
Pois bem, vi que perto do hotel havia uma UPAE.
Havia perguntado na portaria do hotel se essa unidade era 24 horas, e o funcionário me confirmou.
Fui lá.
Não era.
E então voltei.
No seguinte, fui outra vez.
Descobri com a atendente que aquela UPAE era de especialidades, e que apenas recebia pacientes direcionados por hospitais da rede do SUS etc.
Ok.
Decidi, então, ir até o Hospital Regional Ruy de Barros Correia, o principal hospital público de Arcoverde.
Cheguei lá às 08:15, na emergência (havia um certo inchaço, na região da pescoço, que me preocupava, pois temia que o mesmo evoluísse e fechasse a glote).
A emergência contava nesse instante cerca de 25 pessoas.
Não havia nenhum médico para atender. Às 08:45 soube que chegara um clínico geral (dos dois listados) para iniciar o atendimento.
Já na chegada eu me dirigi a uma atendente para, obviamente, fazer uma ficha.
Por incrível que pareça, a moça me disse que só iria fazer ficha quando os médicos das especialidades começassem a chegar (02 obstetras, 01 cirurgião, 01 anestesista, 01 uteísta, além dos dois clínicos litados para o mesmo plantão da sexta).
Não havia traumatologista, nem pediatra, conforme o singelo aviso na parede: NÃO TEMOS.
Ou seja, a não ser aquele clínico já citado, não havia às 08:15 nenhum outro médico na urgência do principal hospital público de Arcoverde, que recebe dezenas de pacientes de vários municípios, no entorno, e até da Paraíba.
Ponderei que não fazer ficha poderia provocar um caos, pois como ela saberia quem chegou primeiro para ser atendido na especialidade x ou y?
E as pessoas iam chegando, sem qualquer encaminhamento racional…
Quando ela fez a chamada para realizar o fichamento, já era para triagem, e então ninguém sabia ou mesmo se importava se tinha chegado antes ou depois.
Queria apenas ser atendido.
Por volta das 10h eu fui “fichado” pela atendente, que me encaminhou a uma enfermeira.
Já havia pelo menos umas 40 pessoas na emergência.
Ela me classificou com a pulseira amarela (eu poderia “esperar”, não era caso urgente, apesar do inchaço no pescoço, abaixo do chamado pomo de Adão).
Estava já há duas horas no hospital, e agora é que a minha espera oficial começaria… Às 11h eu não havia sido atendido pelo único clínico.
O segundo clínico continuava sem aparecer no plantão (a moça me disse que ele estava vindo de Caruaru).
Enquanto isso, vi enfermeiro fumando na emergência seguidos cigarros em longas baforadas.
Enfermeiras num entra e sai danado para lanchar, com jaleco branco e tudo, num boteco de esquina, que era sujo e mal cuidado.
Gente cheia de mazelas chegando com seus gemidos.
Uma mãe desesperada, aos gritos e chorando, pois sua criança (que mal ficava de pé) havia sido recusada por não apresentar quadro febril algum…
Um inferno…
Um horror…
Desisti e, com pulseira e tudo (sem que ninguém me detivesse, pois, a rigor, eu já estava em processo de atendimento), fui procurar o maior hospital privado de Arcoverde, o Memorial.
Lá, na portaria, perguntei se aquelas pessoas (umas 15) estavam ali para a clínica geral.
A moça disse que sim.
Perguntei quantos clínicos estavam atendendo.
Ela disse: um.
Ou seja, em plena cidade de Arcoverde, naquela manhã, os dois maiores hospitais tinham, cada um, apenas um clínico geral atendendo.
A UPAE é apenas um grande prédio bonito com raros médicos.
Não há a mínima racionalidade e respeito básico no atendimento aos doentes da emergência pública.
E ainda há gente contra o programa Mais Médicos…
Desisti de tudo e resolvi enfrentar as três horas de volta ao Recife correndo certo perigo.
O inchaço até aumentou, mas graças a Deus fui medicado no Recife com um antiviral, e já comecei a melhorar.
Vamos ter que lutar muito para tornar a saúde pública um exemplo de qualidade. * Roberto Numeriano é jornalista, professor, pós-doutor em Ciência Política e presidente do PSOL-Recife