Por Alfredo Bertini (*) Os momentos de disputa eleitoral, sobretudo nestas eleições, têm-se mostrado aguerridos, às vezes até além da conta, do que posso chamar aqui de “uma mínima civilidade” (se ainda existir nas batalhas eleitorais).
Não me refiro apenas ao padrão de violência dos ataques deferidos, usado ao exagero por candidaturas e seus “marqueteiros”, que agora fazem da “desconstrução” da imagem dos rivais (ou melhor, da destruição mesmo) o troféu mais cobiçado.
Não importa como se sente - na sua simplicidade cidadã - o incrédulo eleitor que fica do “outro lado do muro”.
O que vale mesmo é usar a desfaçatez e a virulência como armas.
Um mau exemplo para uma sociedade já contaminada pelas mais contundentes formas e escalas de violência.
Penso que, para o exposto acima, qualquer indivíduo minimamente civilizado carrega consigo uma consciência contrária à violência escrachada.
Mas, em adição, o que deve ser também considerado é que existem outros níveis de civilidade, que podem ser capazes de consagrar uma espécie de “agressão invisível e silenciosa”.
E, em certa medida, isso pode atuar como um coadjuvante da tal “desconstrução” de imagens.
São constituídos, por exemplo, por gestos e atitudes que podem emanar de qualquer que seja um segmento da sociedade.
Talvez até bem fortalecido pelos resultados das políticas públicas.
Uma situação de falta de sintonia política desse setor com a liderança política, justo numa hora relevante como o embate eleitoral.
Naturalmente, que isso é capaz de gerar surpresas e perplexidades, não só para os que fazem a política, como para outros segmentos da sociedade em geral, que se acostumou – digamos - a reconhecer o real fortalecimento daquele e de outros tantos setores.
Enfim, na hora do jogo eleitoral, ignorar o que foi conquistado em parceria, sob qualquer que seja o subterfúgio, pode gerar a percepção de que houve alguma forma de desencanto.
Algo que pode ser até capaz de levar uma parcela desse setor para os braços dos adversários.
No contexto dessa ordem, uma palavra é suficiente para exprimir a situação: ingratidão.
Ora, dirão os partícipes ou desavisados de plantão, que essa possibilidade é fruto do mais rijo respeito ao maniqueísmo das ideologias.
Mas, como também cantava esse mesmo Cazuza, onde elas estão?
Será que não se perderam também pelo desencanto?
Muito embora, o poeta ainda completasse que haveria um novo tempo, no qual “precisamos de uma para viver”.
Nesse contexto, o que acontece, sem muitos esforços intelectuais e com as incompetências de gestão à parte, é que o verniz ideológico pregado pelas três principais candidaturas à Presidência não traz assim distinções tão abismais.
Aqui ou acolá, apenas nuances de divergência, como por exemplo, na forma de tratamento dos recentes revezes econômicos, bem caracterizada por políticas erráticas.
Infelizmente.
Com base nessas premissas, quero inserir um ponto fundamental do enredo desta despretensiosa percepção política, que diz respeito ao papel do saudoso Governador Eduardo Campos.
Indiscutivelmente, uma peça fundamental de toda engrenagem do atual processo eleitoral do nosso país.
O destaque tem a ver com mais um componente da sua boa gestão no Estado de PE, algo que certamente também o qualificou para o alargamento dos seus horizontes políticos, enquanto uma estratégia de reconhecimento nacional.
Refiro-me aqui ao seu trabalho pelo setor da Cultura, um marco indelével, que inspirou muitos outros Governos pelo Brasil.
Sei reconhecer a autoria dessa obra extraordinária, mesmo que, particularmente, tenha-me colocado até em algum nível de desacordo, como num ponto que julgo essencial para dinâmica econômica de um mercado como o cultural.
Afinal, só no término da sua gestão foi que ele reconheceu a importância do instrumento do mecenato para o Estado, como uma alternativa complementar e necessária, para que se tenha genuinamente uma política plural de Cultura.
Mas isso foi uma discordância pontual.
Deixar de considerar o valor político (e até mesmo eleitoral) das ações de interiorização, do apoio incisivo à cultura popular e, acima de tudo, do volume do orçamento público destinado ao setor, não me parece uma atitude pertinente, sobretudo, para aqueles que operaram e se beneficiaram largamente desse modelo vitorioso.
Somente no setor audiovisual, nos seus dois Governos, Eduardo investiu mais de R$ 50 milhões, uma cifra que impressiona, em qualquer outra unidade da Federação.
E mais: renovou esse compromisso com o setor, quando institucionalizou tudo isso em Lei, independente do resultado das urnas no Estado.
Ou seja, formalizaram-se as conquistas históricas, que contribuíram para validar a força e a representatividade do cinema de Pernambuco hoje.
Uma decisão corajosa que ele assumiu ao abrir as portas da sua própria casa e discutir cada passo com integrantes do setor.
Claro que ninguém é capaz de se arvorar da condição de influenciar a consciência política do outro.
E, na verdadeira acepção do termo, o bom político também não é dono do voto de nenhum eleitor.
Assim, estou bem longe de pensar diferente dessas condições pétreas.
Também considero que a democracia requer uma convivência entre contrários, embora possa ser salutar exercitá-la em mão dupla, nem que seja ocasionalmente, por um mérito indiscutível, por exemplo.
Respeito, ainda, uma parcela de eleitores com seu viés ideológico, mesmo que esse atributo esteja, nos últimos quadros eleitorais, bem “fora de sintonia”.
Enfim, tudo em nome e a favor da democracia.
No entanto, penso que no papel de líder político, Eduardo e seus liderados trabalharam para que em 2014 também fossem recompensados, no sagrado exercício do voto, pelo reconhecimento do que realizaram.
Para o caso do que aconteceu de bom com o setor cultural, diante de uma legítima perspectiva eleitoral, tudo foi construído como consequência de uma total e fidedigna parceria.
Seria, enfim, lamentável constatar que quem foi convocado para arregaçar as mangas ao lado do Governador Eduardo, para fazer uma política cultural tão reconhecida, possa estar hoje politicamente desiludido por alguma razão qualquer.
Num momento como esse, a gratidão decorrente da valorização profissional conquistada por um setor não merece ser atropelada pelo mero viés ideológico.
Particularmente, penso que neste caso, o exercício democrático corre a favor do mérito de quem contribuiu para desenvolver o setor.
Afinal, é dessa atividade e dos benefícios construídos em perfeita sintonia por uma política sustentável de desenvolvimento, que se contribui para a geração de empregos e rendas.
Não nego que sou dos que reconhece, valoriza e defende, em todos os setores cobertos pelas políticas públicas, o enorme legado deixado por Eduardo Campos.
Sua partida prematura, aos 49 anos, no pico do reconhecimento político, representou um enorme desperdício de talento.
Pelos seus ideais e pelas ações realizadas, a meritocracia não pode e nem deve ser uma luz tênue, no fim deste “túnel tão sinuoso chamado Brasil”.
Embora a capacidade divina seja capaz de deixar o molde, para que novos talentos surjam mais à frente, é preciso que se faça hoje justiça para quem muito fez por merecê-la.
E na democracia o reconhecimento para qualquer político se faz através do voto. (*) Alfredo Bertini, economista e produtor cultural.