Por Roberto Numeriano O velho Arraes até ontem dormia o sono a que todos nós seremos chamados, chegada a hora irrevogável.

Do seu tempo entre nós guardamos a memória da resistência à ditadura e a atenção pioneira aos pobres da cidade e do campo, quando governador de Pernambuco.

Foi o maior líder político socialista do século passado, uma figura lendária da dimensão de outro grande socialista e seu contemporâneo, Gregório Bezerra.

A campanha para o governo do estado e para a presidência da República ressuscitou-o.

E o fez por vias transversas, pelas mãos do neto, igualmente morto num dia 13 de agosto.

O neto, Eduardo Campos, fez o velho voltar do exílio que é qualquer morte.

Mas esse retorno do espírito de Arraes é um paradoxo.

O Arraes que voltou ao noticiário político não vem para subscrever esses embustes discursivos de uma oligarquia pernambucana cevada desde a Casa-Grande, e que alega praticar uma nova política.

Não…

O velho ressurge para apontar a mentira, a falácia, a mistificação, a vileza e o escárnio de um grupo que, assenhorando-se de sua memória e da grande tradição do PSB, transforma o seu legado num butim em torno do qual, famintos pelo poder e bêbados pela vaidade, comensais novos e velhos chafurdam até sobre a sua última batalha, que foi resistir a toda a humilhação a que o PSDB submeteu Arraes e todos os pernambucanos, durante as duas gestões de FHC .

Peço desculpas se estou sendo duro, mas não tenho, a partir de agora, nenhum respeito político a esses homens que se aliam a Aécio e o PSDB.

Isso é baixo, ridículo e vil.

Isso é venalidade política.

Imagino o que vocês negociaram para selarem essa asquerosa unidade política em torno da traição.

Imagino o que Aécio e o PSDB, mãos dadas com FHC, prometeram a vocês nesse banquete de misérias: sinecuras polpudas em Brasília?

Garantia de milhões de reais para as próximas disputas eleitorais?

Cargos ministeriais de ricas comissões?

Esse homem, o velho Arraes, que o neto trouxe do descanso para ver a celebração de horrores que é essa fome de poder de vocês, certamente já virou as costas, enojado, diante desse festim diabólico do poder a qualquer custo.

Mesmo na política há limites, senhores do vale tudo.

A indignidade hoje presente na política não lhes dá salvo-conduto para mentir e ofender a memória dos pernambucanos.

Descanse em paz, velho Arraes.

Que os homens e mulheres do povo trabalhador de Pernambuco lhe conduza, politica e espiritualmente, ao descanso merecido pelo seu grande exemplo de jamais ceder aos opressores.

O seu neto lhe trouxe para ser testemunha de um festim, mas a sua memória nos dá ânimo para a última batalha de sua mística política: derrotar em Pernambuco os velhos opressores dos humilhados e ofendidos que você defendeu, agora travestidos pelo rótulo de “nova política”.

Roberto Numeriano é jornalista, professor, pós-doutor em Ciência Política e dirigente do PSOL/PE.