Por Ayrton Maciel O Brasil teve a oportunidade da ruptura em 1930, quando a revolução de tenentistas e classe média urbana liberal, liderado por Getúlio Vargas, enterrou a República Velha, a alternância do poder central entre as forças econômicas e políticas do café paulista e da pecuária leiteira e latifundiária mineira.
Getúlio teve o poder que nenhum outro tinha tido, maior ainda quando rasgou a legalidade instalou a Estado Novo.
Criou a legislação trabalhista, direitos básicos sindicais e sociais, mas não enfrentou a já aprofundada desigualdade econômica do Brasil.
Teve o poder, e não cuidou de políticas de desenvolvimento e descentralização da economia.
O Brasil teve a segunda chance vem antes de 64, com Jango, mas o radicalismo ideológico da época - reflexo do mundo dividido entre polos e da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética -, a desorganização social, o sindicalismo extremista e a quebra de braço entre a parcela política inconsequente e a conspiradora viram-na escapar pela força das armas.
Os militares de 64 tiveram a quarta oportunidade e a perderam por se associarem aos herdeiros da República Velha, obstinados que estavam apenas em combater tudo que parecesse com subversão.
Com todo o poder da força que tiveram, novamente, e o domínio das instituições, não tiveram a dimensão histórica da realidade que os levasse a implantar políticas econômicas da redução das desigualdades e descentralização do desenvolvimento.
Ficaram nas frentes de emergência e cestas básicas.
O general-presidente Garrastazu Médici, em 1971, em plena seca nordestina, ao presidir reunião emergencial do Conselho da Sudene, no Recife, acusou os políticos de tirarem proveito político e econômico do flagelo, mas nada fez para acabar e punir.
A quarta chance chegou com a ascensão do PT, um partido com raízes intelectuais, sindicais e populares.
Os investimentos que o Nordeste recebeu são incomparáveis com qualquer outra época da República.
Mas o PT falhou no que mais condenava, a corrupção do Estado, a promiscuidade entre o privado e o público, o maltrato da coisa pública.
No poder, manteve a relação com o coronelismo político histórico, ajustou-se ao sistema corrompido, não fez uma reforma política profunda do país.
Não mudou.
Repetiu o modus operandi, no poder, dos carcomidos partidos tradicionais, fisiológicos, sem ideologias, sem vida programática.
O PT tem o mérito de liderar governos que levaram à ascensão econômica milhões de brasileiros, da infra-estrutura e da atração de projetos estruturadores que vão proporcionar, no futuro, a redução da desigualdade entre o Nordeste e as regiões mais ricas.
Mas não tem diferença na condução política do País.
A corrupção da Arena do regime militar, dos governos do PMDB e do PSDB, e de todas as legendas tradicionais, não foi varrida.
A quarta chance chega ao seu momento crucial.
O descompromisso do PSDB com as regiões mais pobres, em especial com o Nordeste, é inegável.
Os oito anos de governos FHC foram um deserto em obras de infraestrutura e atração de empreendimentos estruturadores.
Os últimos dez anos demonstram a diferença.
Nos próximos cinco a dez anos, vão aflorar os resultados dos investimentos da recente década.
Superaremos, definitivamente, as eras do açúcar, do sisal…
As novas gerações vão ser a do domínio do aço, da metalurgia, da montagem em série, da siderurgia, do refino do óleo bruto, da soldagem naval.
Há muitas décadas, partiram avós, pais, tios, para erguer arranha-céus, mexer torno mecânico, colher café.
Não voltaram.
Lá ficaram sangue e suor nos concretos e tornos industriais.
O corpo enterrado nas periferias, sem a gratidão do capital paulista.
Na última década, o perfil do brasileiro.
No Nordeste e nos centros de riqueza das demais regiões.
Acostumamos a encontra famílias negras, operárias, trabalhadoras, antes distantes do consumo, aboletarem-se nos centros de compra e galerias, atropelando clientes com suas caixas de eletrodomésticos nas cabeças e ombros.
As classes média e alta, com orçamentos estrangulados para pagar seus padrões de vida, dá de frente com a massa “desinformada” que, juntando cada salário de membro da família, partiu para o consumo desenfreado de seus LEDs e smartfones.
A Casa Grande encontrando a senzala nas vitrines, a mucama esbarrando na senhora descendente dos senhores dos cafezais e canaviais.
O segundo turno é uma disputa entre a nova realidade e “a volta” em direção ao futuro.
Pode ser o fim da quarta chance.
Difícil é não crer que os cafezais e arranha-céus não vão querer compensar atrasos que creditam aos “desinformados” dos canaviais e caatingas.
Afinal, sempre trataram o Nordeste como “um peso”, investimento a fundo pedido.
O PT perdeu uma grande e histórica oportunidade de se tornar o maior partido do País, institucionalizado, permanente.
Decaiu ao jogar ao lixo as bandeiras da ética e da honradez no trato da coisa pública.
Acusou todos os demais partidos da falta desses méritos, adotou a postura de exclusividade dessa posse e revelou-se igual.
Isso não lhe toma os méritos das conquistas sociais da década recente, mas o que o salva mesmo é a existência de instituições ativas de fiscalização.
Apesar de tudo, as décadas atual e a anterior, quando comparadas, nos deixam uma conclusão: só um governo com raízes populares pode fazer a transição para a democracia social, pode fazer as transformações econômicas com a adoção também de mecanismos de distribuição do crescimento.
Porque é necessário, ainda, a negociação com a base.
Caso contrário, cresce-se sempre o bolo, como propunha Delfim Neto no regime militar, mas será difícil partilhá-lo.
As resistências a mudanças são históricas, por envolverem tradição e cultura.
Partidos conservadores e liberais, no Brasil, sempre adoraram distribuir cestas básicas e montar frentes de emergência.
Alfabetizar, mas não estimular senso crítico.
A redução das desigualdades regionais e sociais exige, de quem conduz, a libertação do preconceito - que nasceu com a Casa Grande e senzala - contra regiões mais pobres e os “pobres menos informados”.
Ayrton Maciel é jornalista.