Em uma série de três artigos enviados ao Blog de Jamildo, acerca do Cais José Estelita, o ambientalista Jacques Ribemboim sugere a criação do Parque Histórico Estadual da Campina do Taborda, incluindo uma lagoa interna para pequenas embarcações (para pescadores e catadores de mariscos).
No texto, aponta a importância do lugar, em cujos limites e arredores aconteceram episódios marcantes da história (rendição dos holandeses, execução do Frei Caneca). “Não podemos nos conformar em perder uma área que custou R$ 55 milhões, quando gastamos R$ 700 milhões para a arena da Copa”, diz Jacques Ribemboim.
A figura acima sugere os contornos do projeto.
Acerca do Cais José Estelita Jacques Ribemboim, Economista ambiental, Presidente da ONG Civitate.
Há horas em que calar é mentir.
O provérbio basco tem razão.
E na questão do Cais José Estelita está em jogo não somente a história, a cultura, a paisagem, mas a dignidade pernambucana.
Ainda há tempo. É preciso agir com firmeza para se evitar a perda irreversível deste espaço tão precioso.
Vamos recapitular o problema.
Em 2008, a área foi arrematada em leilão pela quantia de cinquenta e cinco milhões de reais, pagos à antiga proprietária, a Rede Ferroviária Federal.
Os novos donos, que compõem um consórcio do ramo imobiliário, propuseram o projeto “Novo Recife”, um conglomerado de doze arranha-céus, entre edifícios de apartamentos, residenciais de luxo, escritórios e um hotel.
Tudo, talvez, dentro da legalidade, mas totalmente fora do contexto de preservação histórica, paisagística ou de desenvolvimento socioambiental.
Tenho me manifestado publicamente contra o projeto, a começar do nome.
Este não é, em absoluto, o “novo” que desejamos para nossa cidade.
O que há de especial em um conglomerado de torres envidraçadas que agridem a singeleza do velho bairro de São José?
O que de belo pode restar na contemplação daquela paisagem bucólica, palco de tantos episódios de nosso passado?
Chega de cinismo, basta de promiscuidade!
O povo não merece ser regido por aqueles que financiam campanhas eleitorais.
O terreno do José Estelita precisa ser desapropriado e convertido em um parque estadual de referência, antes que seja tarde.
Aqui não se apregoa insegurança jurídica ou alteração das regras do jogo.
Os atuais donos devem ser indenizados pelos custos incorridos.
Afinal, o que vem a ser 55 milhões de reais, quando são gastos 700 milhões em um estádio de futebol para quatro jogos da Copa?
Há horas em que calar é ferir.
Se a população vier a perder o Cais José Estelita, terá sido por culpa do poder público.
A ele compete defender o interesse comum.
O consórcio arrematante é mero cúmplice deste crime de lesa-cidadania: como qualquer grupo privado, busca tão-somente maximizar seus lucros.
E o fará, caso não seja refreado pela sociedade organizada ou pelo Estado diligente.
Portanto, que se façam escutar o clamor da juventude e o grito de tantos artistas e intelectuais.
Naquelas terras, conquistadas aos índios, conquistadas aos portugueses, conquistadas aos holandeses, nasceu um Pernambuco eterno e pujante.
De todos e para todos.
Naquelas redondezas deu-se a rendição dos holandeses.
Naquele solo fuzilaram Frei Caneca.
A estes mártires, devemos satisfação.Há horas em que calar é morrer.
PARQUE HISTÓRICO ESTADUAL DA CAMPINA DO TABORDA Por Jacques Ribemboim, Economista ambiental, Presidente da ONG Civitate.
Em 1654, na Campina do Taborda, reúnem-se as tropas holandesas e pernambucanas.
O general invasor traz nas mãos as chaves da cidade e as entrega ao marechal-de-campo Francisco Barreto de Menezes.
Está selada a rendição.
Cento e setenta e um anos depois, um padre carmelita é condenado à forca.
Os algozes de ofício se recusam a executar o Frei Caneca.
Rapidamente, a pena é comutada para fuzilamento e, sob os tiros do pelotão, jaz inerte o líder da Confederação do Equador.
Passa o tempo.
Trinta anos.
Naquele lugar, são instalados trilhos de ferrovias.
A novidade à época!
Por trens chega o açúcar produzido nos engenhos para embarque rumo à Europa.
Por trens as pessoas vão e vêm em seus afazeres cotidianos.
Decorrem outros tantos: setenta anos.
A cidade agora está em rebuliço.
Ao Cais José Estelita afluem milhares de pessoas para ver os aviões amerissarem.
Em frente, nas águas plácidas do estuário, está o aeroporto de Pernambuco.
Ali permanecerá até os anos quarenta.
Trem acima, trem abaixo.
Barcaça vai, barcaça vem.
Avião decola, avião pousa.
Pouco a pouco o Cais José Estelita foi perdendo estas funções.
Chegam os nossos dias.
O velho cais se torna um mero corredor de passagem para carros apressados.
Parece um cemitério abandonado.
O poder público, insensível ao passado, dá de ombros quando se questiona o futuro do velho rincão.
Um consórcio do ramo imobiliário o adquire.
O preço?
Cinquenta e cinco milhões de reais.
Quase nada, em comparação aos gastos para erguer a Arena da Copa, em torno de setecentos milhões.
Ah!
Para as arquibancadas festivas do futebol havia interesses concentrados.
Os mesmos que querem construir o “Novo Recife”: espigões de luxo rompendo a paisagem, subjugando o velho bairro.
Parafraseando o Poeta do Azul, são doze torres erguidas, duzentos homens expulsos, doze mil desejos presos, duzentos mil sonhos frustrados.
Esquecem que Pernambuco é forte e não se curva.
O que começou com um brado de jovens valentes, hoje são milhares de vozes que se erguem contra a truculência do capital e a leniência dos governantes.
Um parque público.
Um parque histórico estadual da Campina do Taborda.
Com um memorial ao Frei Caneca, uma escola, ciclovias, brinquedos para a criançada.
E árvores, muitas árvores.
A aí, desfraldar bandeiras?
UMA HOMENAGEM AOS CATADORES DAS MARÉS Jacques Ribemboim, Economista ambiental, Presidente da ONG Civitate.
Em alguns artigos anteriores, propusemos a urgente desapropriação do terreno localizado no Cais José Estelita, onde um grupo de empresas de construção civil intenciona construir o “Novo Recife”.
Para o povo pernambucano, vale mais preservar a área para uso socialmente integrador, integrando-a em um Parque Histórico Estadual, talvez com o nome de “Campina do Taborda”, em homenagem ao lugar onde aconteceu a rendição holandesa de 1654.
Naqueles arredores, aconteceu o fuzilamento do Frei Caneca, expressão máxima da nossa história.
Ainda não lhe dedicamos um Memorial.
A hora é essa.
O perímetro do Parque seria, portanto, composto da linha demarcatória do terreno em disputa, acrescido do calçamento e margem ribeirinha ao longo do cais e, ainda, o Forte e a Praça das Cinco Pontas (com a destruição do famigerado viaduto que leva este nome), a área de embarque do catamarã, a futura interligação da Avenida Dantas Barreto, a Matriz de São José, a Praça Frei Caneca, os jardins sob o Viaduto Capitão Temudo, fazendo limite com o Cabanga Iate Clube.
Além de pistas, brinquedos infantis, arvoredos, jardins e outros itens obrigatórios, o Parque prestaria homenagem aos heróis pernambucanos, não somente àqueles que se destacaram na liderança de tropas, mas também ao heróis anônimos, gente simples, que por meio de seu labor diário, contribuíram para a construção da nossa identidade.
Refiro-me aos homens e mulheres que vivem do mangue, dos rios, catadores de moluscos e crustáceos que até hoje estão presentes no estuário ali em frente.
Não seria difícil escavar uma lagoa interna e um canal de acesso para pequenas embarcações, de modo que pudessem comercializar seus produtos da cata artesanal diretamente com o público consumidor, sejam itens frescos, sejam preparos da culinária litorânea.
Isto, sim, seria um projeto integrador.
A Região Metropolitana do Recife teve sua gênese e seu desenvolvimento assentados no ritmo das marés.
O mangue está tão arraigado em nossa cultura, que se fala no caranguejo como símbolo da cidade.
Desapropriar a área não significa romper ordenamento jurídico nem as regras do jogo.
Está dentro da legalidade, sendo indenizando os proprietários do terreno, ressarcindo-lhes as despesas incorridas.
E em algum lugar do futuro seremos sempre lembrados como aqueles que um dia souberam optar por preservar a história e valorizar a gente simples, construindo um grande parque, em detrimento de uma modernidade arrogante que com muros excludentes muito pouco contribuem para o desenvolvimento de Pernambuco.