O voto despolitizado (ou o peso e o valor do voto) Por Ayrton Maciel, especial para o Blog de Jamildo Tudo o que se deseja em uma democracia é que seja estável, que a sociedade chegue a um estágio político no qual as crises sociais, políticas, econômicas e institucionais não a ameacem, sejam superadas pela própria sociedade pelo voto em seus representantes - as eleições - ou por pactos de governabilidade que assegurem os mandatos dos governos e nos Parlamentos.

Esta é a estabilidade política de uma sociedade.

Leva tempo, exercício, respeito às regras, como nas democracias estáveis no mundo. É um estágio superior, que para ser atingido requer a superação de condições que lhe são obstáculos.

A democracia estável, tal qual se cobiça, é ulterior às etapas da formação para a cidadania, à formação do cidadão-democrata.

Implica em uma educação formal de qualidade, em todos os níveis.

Um aprendizado que formate o indivíduo-cidadão consciente dos direitos e deveres, mas também com senso crítico para avaliar e julgar o que absorve - informações, conhecimento, a comunicação, o seu cotidiano - e com capacidade de autocrítica sobre o que pratica e como se posiciona na sociedade.

Leva tempo.

Muito mais tempo, ainda, em sociedades onde, por injunções políticas e preconceitos de classes sociais, seus governantes historicamente não priorizaram a educação formadora para a cidadania.

Então, se o que se cobiça é uma democracia estável, como medir o voto - o seu peso e o seu valor - numa sociedade distante de atingir os preceitos citados que levem-na a superar os obstáculos e atingir o estágio superior?

Se a democracia estável e o cidadão-democrata ainda são objetos de desejo, como medir o voto do eleitorado brasileiro em uma sociedade que não superou os obstáculos à sua formação?

Qual a diferença de peso e valor entre um voto por gratidão, compaixão, comoção ou parentesco de um voto dado por um punhado de telhas, uma dentadura, um par de óculos, uma cesta básica ou por R$ 30,00?

Nas duas situações, o Brasil está distante de uma sociedade formada por cidadãos-democratas e, portanto, estável.

Em termos de peso, as duas situações se equivalem: um voto é só um voto, para mais ou para menos.

E em termos de valor, um voto por gratidão, amizade, comoção ou parentesco é igual a um voto por interesse material ou subjugação social?

Moralmente, numa sociedade não-formadora de cidadãos-democratas, será dito que ’não'.

Que é inadequada e incompatível a comparação.

Como imaginar o voto de quem vende igual ao valor ao voto de quem agradece, retribuiu ou se compadece?

O voto de gratidão não se mede, dirão sempre os ofendidos.

Numa sociedade sem uma democracia estável, que não forma o cidadão-democrata, resultado das profundas e históricas desigualdades sociais, econômicas e de escolaridade e de qualidade da educação, a diferença será sempre ressaltada.

Assim, o voto vendido, trocado e comprometido por bens materiais é atribuido ao pouco escolarizado, economicamente vulnerável e politicamente sem formação; e o voto da gratidão, do parentesco e da comoção vai ser identificado com o de maior formação, economicamente situado, informado e, portanto, agradecido.

Nas duas condições, a sociedade expõe o seu voto despolitizado.

Se o voto não tem convicção política e o compromisso de cidadão-democrata, na escolha de seus governantes - aqueles dirigirão o País, os Estados e municípios, e os que serão os representantes da palavra e do pensamento incondicional da sociedade nos Parlamentos -, será sempre um voto instável e inconstante da democracia.

Jornalista