O espólio de Eduardo Campos Por Roberto Numeriano Quando um líder político do tipo imperial morre, como Eduardo Campos foi, o que fica no lugar é o seu espólio, em torno do qual, imediatamente (apesar das aparências), as lideranças que ficaram vão lutar para conquistá-lo pra si.

Sempre foi e será assim na política real.

As belas palavras sobre o “legado de Eduardo” são para aqueles que ainda se iludem com o jogo real do poder, entre os partidos e dentro dos partidos.

E quanto mais rico o espólio, mais violenta é a luta.

Campos era um líder de fato, com carisma político e qualidades gerenciais incontestes.

Durante os sete anos nos quais governou o Estado, teve a rara sorte de ver, conjugados, um cenário econômico favorável ao investimento no comércio e indústria, e um governo federal aliado como forte parceiro para investir em obras de infraestrutura, gerando incremento do PIB estadual e milhares A sua gestão política do poder reunido em torno de si tinha como premissa concentrar para decidir, e somente então delegar tarefas cuja execução era estritamente supervisionada para nada fugir ao controle do seu projeto de poder, pois sempre nutriu legítimos sonhos mais altos na carreira (quem ler a revista mensal Piauí, de julho passado, vai entender o porquê dos conflitos que teve com o avô Arraes).

Não por acaso, seus críticos acadêmicos e opositores políticos, percebendo essa característica, chamavam-no de “coronel do asfalto”, “imperador”, etc.

Somando-se a isso uma Assembleia Legislativa cooptada e politicamente covarde, além de uma mídia (como sempre) em geral venal e analiticamente estúpida, fecha-se o círculo de poder talvez único em toda a “República de Pernambuco" Esse é o espólio de Campos.

Na prática, político nenhum deixa “legado”, “herança”, o que valha.

A sua morte deixou para trás enorme poder político, econômico e de agenda social e ideológica.

Tal espólio imenso é, desde já, objeto de disputa política violenta por parte dos que gravitaram em torno do antigo líder.

Muitos dos quais que ainda agora estão derretendo-se em lamúrias no guia eleitoral, chorando o morto como um redivivo cabo eleitoral, enaltecendo-o como um Aquiles imolado no combate, muitos desses certamente articulam seus interesses para obter o maior quinhão do espólio.

Se até nas famílias, morto o líder amado de sangue, explodem as desavenças entre irmãos em torno dos bens materiais, imaginem o que sucede quando os bens simbólicos da política entram em disputa.

Política não é para amadores.

Política não se faz sem um lastro político-ideológico mínimo para ancorar projetos de médio e longo prazo.

Política não é coisa para quem não possui espírito de liderança.

Daí a minha preocupação sobre o futuro do nosso estado, acaso Câmara, o candidato do PSB, vença a disputa, pois Pernambuco correrá o sério risco de assistir, nos próximos quatro anos, um governo em que a disputa pelas fatias de poder dentro do PSB vai provocar desgoverno, falta de foco.

Sem Campos, que seria de fato o condutor do “gerente” eleito (em certa medida, como Lula é o conselheiro de Dilma), Câmara é um neófito lançado na orfandade política precoce.

Um ingênuo, um “sabe-de-nada-inocente”.

Com todo o respeito que devemos lhe devotar, reconhecendo suas qualidades de gestor de pastas burocráticas, nem por isso podemos esquecer sua completa inexperiência e capacitação para a gestão política do governo.

Pernambuco não pode se arriscar em algo que agora é uma aventura.

Uma perigosa aventura.

Roberto Numeriano é jornalista, professor e doutor em Ciência Política (UFPE).