Por Fernando Castilho, do JC Negócios, especial para o Blog de Jamildo No final do ano passado me propus a escrever uma matéria especial sobre o Bolsa Família no Jornal do Commercio com foco nos trabalhos acadêmicos.
O ponto de partida foram os textos publicados pelo professor Marcelo Ney da FGV.
Imaginava que ele representava uma corrente da Academia que nos últimos anos se debruçara sobre o programa que beneficia 44 milhões de brasileiros.
Puro engano.
Depois de procurar na Capes, nas universidades do Nordeste (Região foco do programa) e demandar pedidos de informações nos departamentos de pós-graduação tudo que recebi foram os nomes de alguns professores que tinham algum foco no programa federal sem indicar que esse era o foco de sua produção científica mais robusta.
Não consegui achar trabalhos de Doutorado ou de pós-Doutorado sobre o tema.
Conclui, frustrado, que a Academia simplesmente esnoba o Bolsa Família.
Ainda estou procurando.
Os parágrafos acima se justificam pelo debate que surgiu nos últimos dias sobre o custo adicional proposto pelo programa de governo da candidata Marina da Silva, o pacote de insinuações que a presidente Dilma fez sobre o fim do programa e o vídeo que emocionou o país pela declaração da candidata do PSB, que conclui dizendo que a fome não é um discurso, é uma vida.
O debate político na campanha é importante, mas é preciso entender que o peso do custo dentro do orçamento de um país como o Brasil e para um programa com o impacto social que uma nova fase proposta é marginal.
O que não significa dizer que essa nova base de dados não deva ser usada pelo novo governo para ampliar e sofisticar sua atuação, incluindo outros cadastros e conexões diretas com outros programas sociais.
Costumo escrever na Coluna JC Negócios, do Jornal do Commercio, que o maior ativo do PBF é o seu cadastro.
Poucos países do mundo têm hoje uma base de dados tão grande como o Brasil com ele.
E acredito que ele deve funcionar como um cateter de hospital, num paciente que precisa de cuidados intensivos.
Através dele pode ser injetada toda medicação intravenosa de modo a restabelecer a saúde do paciente.
O Bolsa Família é cateter parenteral.
E afirmo isso, pelo simples fato de entender que toda família que se encaixou no PBF, do ponto de vista econômico, quebrou.
Não dá para achar que dali poderão sair milhares de empreendedores.
Ou que, em poucos anos, o programa possa ser dispensável.
Ou, que ele será um fator de adição de pessoas incluídas no cadastro do Micro Empreendedor Individual.
Não acredito.
Assim como acredito que há um preconceito da Academia, gestores e muitos pensadores, que têm que se despir deles para entender a lógica do funcionamento financeiro de uma família que o recebe.
E aviso: isso não é uma coisa fácil.
Outro dia perguntei a um professor, amigo de velhos tempos, por que a Academia Brasileira tinha focos tão dispersos para o número de pesquisadores que temos.
E por que, ao olharmos os grupos de trabalho temos a sensação de que ser mestrando no Brasil é “fechar” com a linha de pesquisa do Chefe do Departamento ao qual está se matriculando.
Ele me respondeu com doçura: esse é um problema que ainda temos em várias áreas e teremos que enfrentar.
Não é preciso ser homossexual para entender o drama pessoal e social de quem opta por ser gay mesmo no século XXI.
Não é preciso ser pentecostal, para entender o que o Brasil vive neste momento e que já faz com que um em cada quatro brasileiros se declare evangélico, para entender o espetacular movimento social das novas igrejas.
Assim como não é preciso ser miserável para entender a revolução social que o PBF está perpetuando no Brasil.
Mas, a Academia tem um olhar diferente para com ele.
Talvez por não querer se despir dos preconceitos.
Talvez seja por isso que a inclusão do tema no programa de Marina Silva tenha suscitado debates e opiniões de tantos especialistas.
Ah, uma informação importante: na minha pesquisa encontrei relacionados nos bancos do MEC mais de 10 mil Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC).
Certamente, porque na fase de graduação o aluno ainda pode escolher o que escrever para se formar.
O que parece não continuar na pós-Graduação.
Mas, curiosamente, o Bolsa Família tem provocado movimentos econômicos surpreendentes.
O primeiro deles foi no setor de atacado de alimentos.
E embora a Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores (ABAD) nunca tenha feito uma investigação sobre isso, o fato é que o setor foi o que mais se beneficiou dele na última década a ponto de, no Nordeste, o setor ter catapultado as empresas com faturamento acima de R$ 500 milhões/ano.
Uma pesquisa simples cruzando as informações do PBF com o setor de alimentos nos leva a uma constatação básica relacionada no Ministério de Desenvolvimento Social: O setor de alimentos explodiu porque 85% do dinheiro do Bolsa Família é usado para comprar comida.
E por que isso acontece?
Porque é a mãe, e não o pai, que é considerada cabeça de família no programa.
Isso fez do cadastro do PBF um pote de ouro que dezenas de grandes empresas sonham em acessá-lo e que, felizmente, até agora o governo tem se comportado como bons Leprechauns.
Resistindo aos gigantes de transações financeiras eletrônicas, tem assediado o governo para permitir que o cartão de recebimento do programa seja convertido num cartão de pagamentos.
Dito de outra forma: o beneficiário não precisaria sacar todo o dinheiro do banco de uma só vez numa agência da Caixa ou na lotérica.
Poderia usá-lo na medida do necessário e até como garantia de crédito.
Imagine o que isso pode gerar de negócios.
Por isso, o vídeo de Marina Silva dizendo que não se trata de um discurso, mas de uma vida teve tanto sucesso.
Porque o Bolsa família não é um discurso de governo.
Virou resgate de vidas.