Por Giovanni Sandes Do Jornal do Commercio Na pequena Lagoa do Carro, a favela foi paga com dinheiro público: com o prolongado abandono das obras no pequeno habitacional, famílias que não tinham onde morar invadiram as casas sem reboco ou portas.
Na falta de dinheiro, tijolos fecharam janelas.
Sacos plásticos viraram banheiro.
E a luz foi por gambiarra.
Esta é a história do esquecimento, dos sonhos, pessoas e obras que ficam pelo caminho.
São milhares de casas simples, para gente simples.
Obras que ainda não saíram do papel ou que nunca ficarão prontas. É um saldo desconcertante, que levou o Tribunal de Contas do Estado (TCE) a investigar a Companhia Estadual de Habitação (Cehab), órgão do governo de Pernambuco.
O TCE audita obras pelo programa federal Minha Casa, Minha Vida.
Mas o problema é maior.
Somando quatro programas habitacionais, a Cehab já tem pendentes, desde 2010, 13.703 casas.
São 54% das 25.298 moradias anunciadas nos últimos quatro anos.
Pior: milhares de famílias, infelizmente, já foram avisadas: o sonho acabou.
A busca tem que recomeçar.
Parte dessa história foi revelada pelo JC no último dia 28, quando problemas em um programa com participação da Cehab vieram à tona.
Iniciado em 2010, o Operações Coletivas deveria ter entregue 3.817 casas.
Segundo a Cehab, só 94 saíram e outras 832, com obras paradas, podem ou não ser concluídas.
Para 2.891 famílias, que no período ficaram impedidas de entrar em outros programas, a espera foi em vão.
Após reportagem vieram denúncias sobre a Cehab e a informação sobre as auditorias do TCE, com foco em 5.610 habitações contratadas pelo Minha Casa, Minha Vida.
Não bastasse a pendência de 4.497 casas, a primeira amostra do Tribunal de Contas revelou irregularidades graves e gravíssimas, com suspeitas de desvio de dinheiro público.
O TCE encontrou pagamentos sem prestação efetiva de serviços, uso de material de baixa qualidade, habitacionais diferentes do projeto, etapas de obras não cumpridas e até construções abandonadas há anos, que no papel ainda estão em andamento.
O atraso é a regra de 95% das obras.
O Minha Casa envolve prefeituras e dinheiro da Caixa Econômica Federal (CEF), fonte de recursos também do Operações Coletivas e da Operação Reconstrução.
Esta última, uma premiada iniciativa de R$ 1 bilhão, teve início após uma enchente massacrar cidades na Mata Sul.
Das 15.871 casas previstas, foram entregues mais de 10 mil, sem dúvidas um avanço para milhares que perderam tudo.
Por outro lado, quatro anos depois 5.483 casas ainda não saíram, mais de um terço do total.
Mas os dados não traduzem toda a realidade.
Em Gameleira, na Mata Sul, a Cehab reconhece o atraso.
Porém, nos documentos informa que as 57 casas, iniciadas em dezembro de 2010, sairão mês que vem.
O problema é que o casal Isabela Maria da Silva, 19 anos, e José Antônio David, 28, já mora em uma dessas casas há quase dois anos.
E a obra, veja só, nunca foi concluída.
Pelo contrário, o conjunto estava abandonado quando o casal, que morava em um morro condenado pela Defesa Civil, percebeu que “derrubaram” 14 das 21 casas inacabadas, conta Isabela. “Levaram tijolo, telha, madeira, tudo”, diz José. “Fomos na prefeitura e disseram para a gente invadir, porque só tinha mais sete casas.
Era isso ou o povo derrubava também”, lembra Isabela.
Entrar foi fácil.
Faltava completar a obra.
Uma janela encolheu, com tijolos, para caber na moldura achada na rua.
A outra não teve jeito, foi tapada.
A velha porta em duas partes, típica de interior, também veio da rua.
Nas sete casas, todas ocupadas, reboco ou revestimento no piso, nem pensar.
Não tem água encanada, esgoto ou energia – ao menos oficial, segura.
A luz é “macaco” e o banheiro, sacolas jogadas todo dia, no fundo do terreno.
O medo vem com a noite, sem iluminação pública. “Quando escurece a gente bota os meninos para dentro, fecha logo a porta”, diz José. É igualzinho em Lagoa do Carro, para Josefa Maria Bezerra, 43 anos.
Ela teme ser despejada desde que tomou posse da casa, abandonada há mais de um ano. “Eu tinha uma casinha que caiu, meu filho.
Estourou teto, parede.
Aí ganhei R$ 100 por mês da assistente social, para aluguel.
Mas o dinheiro parou e eu vim para cá.
Não ia ficar com quatro filhos na rua”, conta. “A gente só queria quem olhasse por nós”, diz.
Obras ativas têm ritmo lento.
Em Vicência, as 50 casas deveriam ter saído em junho, mas operários dizem que são ao menos mais seis meses.
E em Glória de Goitá, é preciso deixar claro, tudo está no prazo.
Porém, só há duas pessoas no acabamento de 27 casas.
A reportagem completa está na edição do JC desse domingo (13).