Foto: divulgação/PSB Por Macus Accioly, no Jornal do Commercio desta sexta-feira (22).

Quando a notícia atravessou a ponte - do continente à ilha - fiquei aturdido.Viesse de barco a Itamaracá, talvez que nem chegasse a ser notícia.

Apesar da voz fidedigna, não pude acreditar: “Tem certeza do que me está dizendo?” “Está passando na televisão”. “A televisão também se engana e, às vezes, nos engana” - eu disse e me lembrei da frase de Ernest Jüng: “Tem gente que acredita mais nos jornais que nas estrelas”.

Como era de dia, olhei para a única estrela possível: o sol de quinta grandeza.

O meu primeiro impulso foi telefonar para o seu irmão, Antônio Campos, porém o telefone (ou era eu?) estava fora de área.

Resolvi ligar para o próprio Eduardo, pois já me havia acontecido o mesmo:recebi uma notícia de morte, liguei para a pessoa e ela, de pronto, me atendeu. “Ah, deve ser isso - pensei- eu ainda acredito nas estrelas!” O meu primeiro contato com a morte foi aos 10 anos, quando morreu o meu avô materno e, com ele, a minha infância.

Depois a morte foificando próxima, mas não deixei jamais que fosse íntima.

Não liguei a televisão.

O telefone danou-se a tocar. “Vou crer mais em você que nas estrelas?” Deixei de atender.

Estava terminando um livro e o fim de um livro é um recomeço de vida.

De repente, alguns pescadores começaram a bater palmas mais altas que os latidos dos meus cães.

Estavam de olhos vermelhos: “Soube a notícia que estão espalhando por aí?” “A má notícia tem motor de popa.

Vou esperar que o vento volte à vela”. “Esse vento de agosto é muito brabo. É casca. É vento com chuva dentro”.

Lembrei-me de que os pescadores chamam chuva-de-vento - casca - e a lembrança me trouxe dois versos de Edmond Jàbes: “Vento, digo-lhes, vento.

E um pouco de areia no vento!” Ah, me senti no mar e no deserto!

Lembrei-me de quando levava o meu avô paterno à casa de Maximiano e Ana: ele conversava com seu Fernando sobre os engenhos do sul do estado e nós sobre literatura.

Os meninos - Dudu e Tonca - brincavam. Éramos os Accioly e ali estavam quatro gerações.

Renato Carneiro Campos (quem primeiro publicou uma crônica sobre o meu livro - Nordestinados) era um pouco mais velho e grande amigo do outro Eduardo, Eduardo Portella - “um baiano pernambucanizado” - no dizer de Gilberto Freyre.

Que tempo era aquele tempo?

Que tempo é este tempo, em que o telefone, a televisão, os pescadores, os ventos, vêm trazer a notícia de que um daqueles dois meninos morreu?

Renato se foi, Max também, mas os meninos, não.

Decerto que eles cresceram, mas ainda não sabem morrer.

Aliás, o mais velho, Eduardo, só sabe viver, só sabe fazer, pois é - como os poetas são chamados - um fazedor:fez Pernambuco e vaifazer o Brasil.

Recordei um trocadilho de Ariano Suassuna: “Eduardo Campos é um novo Arraes e um Arraes novo”.

Olhei o calendário - dia 13 de agosto - e descobri: não foi Eduardo, o neto, foi Arraes, o avô, quem morreu no dia 13 de agosto.

O telefone, a televisão, os pescadores, os ventos, estão confundindo tudo. É casca: é vento com chuva dentro, é vento com areia dentro.

Hoje é quarta-feira, amanhã vão saber.

O povo não pode ser enganado com tais notícias.

O pode crê nas estrelas.

Afinal, elas não mentem e, mesmo quando morrem, pela imensa distância do planeta, deixam pendurada no espaço a sua mensagem de luz.

Há uma música de Pablo Milanés - Canção pela unidade latino-americana - que diz: “O que brilha com luz própria/ninguém não pode apagar”.

Eduardo é uma canção pela unidade brasileira.

Quem pode apagar a luz dos seus olhos?

Quem pode apagar a luz das estrelas?

Desabafei: notícia alguma cruze mais a ponte e nem venha de barco até a Ilha.

Ninguém mais telefone.

Ninguém mais bata palmas.

Que os cachorros ladrem para a lua, que eles uivem mais alto do que os lobos, mais alto ainda do que o próprio mar.

E o resto fique mudo feito os peixes, feito a areia da praia ou do deserto.

Não quero saber mais dessas notícias.

Deixem-me só comigo e com as estrelas.

Marcus Accioly é poeta