“PSB de Pernambuco não fez do vice um cavalo de batalha”, diz Câmara Por Murillo Camarotto, do jornal Valor, no Recife Câmara tem o desafio de vencer a disputa pelo governo estadual e manter a herança do padrinho político Eduardo Campos Sem jamais ter disputado uma eleição, o recifense Paulo Henrique Saraiva Câmara soube no dia 20 de fevereiro que seria candidato ao governo de Pernambuco com boas chances de vitória.

O que era para ser uma consulta soou como intimação para o economista de 42 anos, informado sobre seu futuro em uma reunião na sala da casa do casal Eduardo e Renata Campos.

Câmara desconfiava que poderia ser escolhido desde 2013, poucos meses após à vitória folgada do amigo Geraldo Julio para a Prefeitura do Recife.

Diferentemente do prefeito, Câmara teria de fazer parte da campanha longe do padrinho, que viajava o Brasil na disputa presidencial.

Se a ausência eventual já dificultava os planos, a morte de Campos colocou a Câmara o desafio de vencer sozinho a única eleição que o padrinho contabilizava como ganha.

Desconhecido da população, ele terá de se desdobrar para reverter a desvantagem nas pesquisas a 45 dias do pleito.

Segundo a última sondagem do Datafolha, Câmara tem 13% das intenções de voto, contra 47% do senador Armando Monteiro (PTB), apoiado pelo governo federal.

Ele tem como obstáculo a desconfiança de parte do PSB, dividido após a desincompatibilização de Campos, em abril, e imprevisível após a morte do presidenciável.

Para reverter o quadro, Câmara aposta na TV - onde terá o dobro do tempo do seu adversário - e no apoio de Marina Silva e da viúva de Campos.

Em conversa com o Valor em sua casa, Câmara mostra segurança nas respostas sobre seu programa de governo, mas balança freneticamente as pernas ao falar das complicações da negociação política.

Ele disse ter recebido o compromisso pessoal de Marina com a sua campanha e acredita que a candidata ao Planalto não vai abandonar o PSB caso seja eleita.

A relação com Campos começou em 1992, quando o neto de Miguel Arraes tentou ser prefeito do Recife.

Ainda universitário, Câmara conheceu Campos por meio de amigos em comum e trabalhou na campanha, encerrada com derrota de Campos - a única de sua carreira.

Ironicamente, Câmara tem agora o desafio de evitar novo revés e, consequentemente, o fim do ciclo de Campos.

A seguir os principais trechos da entrevista.

Valor: Como foram seus últimos dias?

Paulo Câmara: Até sábado eu estava em São Paulo, para acompanhar e trazer os restos mortais de Eduardo.

No IML, ficávamos ouvindo o desenrolar das etapas e tentando encurtar os prazos para a liberação.

Sábado de madrugada e domingo foram de muita emoção e ontem [SEGUNDA-FEIRA]foi o primeiro dia que parei para pensar no que aconteceu.

Tivemos um ato político com Renata e passei a tarde regravando programas e vendo a agenda.

Hoje [ONTEM]volta a normalidade, com um vácuo grande.

Valor: Como o senhor ficou sabendo do acidente?

Câmara: Por volta das 10h30, houve a informação de que havia caído um helicóptero e os boatos de que poderia ser o de Eduardo.

Liguei a televisão e telefonei para São Paulo, mas ninguém tinha informação.

Até notícia de que ele havia chegado ao evento em Santos chegou aqui.

Deu dez minutos de calmaria.

Quando confirmou que era mesmo o avião dele, fui para a casa da família e já encontrei Renata muito forte.

Foi aí que ela nos pediu para ir a São Paulo acompanhar o traslado.

Valor: O senhor regravou programas.

O que mudou?

Câmara: O guia estava formatado.

Eram programas me apresentando, mostrando nossa trajetória e programa de governo.

A primeira metade dos programas estava nesta linha.

Jogamos isso um pouco mais para frente, vamos fazer uma semana de homenagens a Eduardo e depois entramos no roteiro original.

Valor: Diferente da campanha nacional do PSB, o senhor tem bastante tempo de TV, mais de dez minutos.

Será todo de homenagens?

Câmara: O de amanhã [HOJE]serão os dez minutos de homenagem.

O de sexta-feira já começa a mostrar a minha biografia.

Vamos adaptar algumas coisas, pois tínhamos falas de Eduardo no presente e isso precisa ser colocado de outra forma.

Ele vai ter participação, lógico, até porque nós gravamos muita coisa, principalmente conversando a dois; ele dizendo o que fez e eu o que iria fazer para continuar o que foi iniciado.

Uma conversa focada na continuidade do governo, isso a gente não pode esconder, porque é o que vai acontecer.

Valor: Por que ele o escolheu?

Câmara: Foi um processo com muitas variáveis.

Ele precisava de um nome que agregasse os valores que ele defendia e tivesse capacidade de aceitação no grupo do PSB e dos partidos que nos apoiam.

Isso foi sendo construído, ele conversando com as pessoas até chegar no meu nome.

Valor: Antes disso já havia passado por sua cabeça ser governador?

Câmara: A partir do momento em que Geraldo (Júlio) foi eleito prefeito (do Recife, em 2012), começaram as especulações de que o candidato ao governo poderia ter o mesmo perfil.

Como a gente tinha uma trajetória similar, o sucesso da gestão de Geraldo começou a alimentar essa convergência em meu nome.

Valor: Sua plataforma de continuidade prevê alguma novidade?

Câmara: A gente vai complementar.

Na Educação, vamos ampliar o programa de escolas em tempo integral e vou ter a oportunidade de universalizar.

Programas de bolsas no exterior e de alfabetização de adultos continuam.

Tem a municipalização do ensino fundamental, que estava sendo feita e vamos continuar.

Vamos perseguir a meta de melhoria dos indicadores.

Os índices eram muito baixos e ainda são, mas melhoraram bastante.

Valor: E nas outras áreas?

Câmara: Na saúde, vamos complementar a rede.

Ainda há hospitais para serem construídos no sertão; complementar as redes de hospitais das mulheres, problema que atinge o Estado.

Valor: Campos vinha propagandeando a expansão dos investimentos próprios do Estado.

O senhor era secretário da Fazenda.

Vai dar para continuar aumentando?

Câmara: Vai.

Encontramos um caminho e uma forma eficiente de fazer.

O aumento da eficiência [DOS GASTOS]tem de ser constante.

Vamos continuar fazendo parcerias com a União, indo atrás de recursos de organismos internacionais e dos empréstimos que forem necessários.

Isso vai permitir manter o nível dos investimentos em torno de 20% das receitas correntes.

Valor: Alguns de seus aliados atribuem à apatia do eleitorado a sua desvantagem nas pesquisas.

O senhor concorda?

Câmara: A desvantagem vem do grau de desconhecimento.

Disso, não tenho dúvida.

As pesquisas antes da tragédia colocavam um patamar de 70% de desconhecimento do meu nome.

Valor: O senhor acha normal esse índice a 45 dias da eleição?

Câmara: Sim, porque todo o esforço que tivemos, de estar presente em mais de 130 municípios, de já ter campanha na rua há mais de um mês, não fez as pessoas se ligarem na eleição.

Além disso, a resistência à política no país é grande, aqui não vai ser diferente, apesar dos altos níveis de aprovação de Eduardo.

A gente tinha certeza de que a melhoria dos nosso números viria com o programa eleitoral, com aceleração do grau de conhecimento.

Há um desejo de continuidade do governo de Eduardo.

Valor: A comoção em torno de Campos será a base da campanha?

Câmara: Ao longo dos últimos quatro dias, as pessoas me procuraram para dizer que ele confiou em mim e que devo seguir em frente.

A campanha vai prestar homenagem a Eduardo.

Mas a campanha tem o intuito de me apresentar e dizer quem eu sou.

Isso de maneira racional.

As pessoas precisam votar em Paulo Câmara por que acreditam em Paulo Câmara, e não apenas porque era candidato de Eduardo.

Valor: Diante das dificuldades de Campos em subir nas pesquisas, vencer em Pernambuco sempre foi visto como obrigação.

O senhor sente essa responsabilidade?

Câmara: A prioridade sempre foi nacional, mas entre as prioridades estava Pernambuco e isso continua.

Na conversa que tive com o presidente [DO PSB]Roberto Amaral, ele manteve o compromisso de Pernambuco seguir como prioridade.

A Marina colocou isso para mim no domingo, para que eu contasse com ela, e a gente vai ganhar e manter a chama acesa.

O partido deve a Pernambuco, o [MIGUEL]Arraes reestruturou o partido e deu uma dimensão que nunca teve, Eduardo fez com que isso aumentasse.

Há um sentimento de que Pernambuco, pelo que representa não só ao PSB, mas como Estado da Federação, continuará prioridade do partido nesta campanha.

Valor: O PSB foi comandado desde o Recife nos últimos 20 anos.

Isso muda com a morte de Campos?

Câmara: Isso será discutido na executiva nacional.

A questão da presidência do partido não é para agora.

Roberto Amaral fica como presidente até dezembro e a discussão sobre isso fica para depois.

Pernambuco tem peso na executiva nacional e no cenário eleitoral.

Vai eleger o governador e uma grande bancada federal.

Valor: Durante o velório, muita gente defendeu que Pernambuco seja representado na vice de Marina.

Câmara: Temos de fazer a discussão do que é melhor para o Brasil.

Não cabe ter um representante de Pernambuco porque é o Estado de Eduardo.

Renata, tendo a disposição de participar do processo nacional, teria a legitimidade de pleitear.

Creio que até amanhã [HOJE]isso esteja fechado, mas vai ser o que for melhor para o Brasil e para o PSB.

Pernambuco não vai colocar isso como cavalo de batalha.

Valor: Pernambuco tem uma tradição de líderes políticos de envergadura nacional.

Como fica agora?

Câmara: Fica um vazio.

Eduardo era uma liderança em ascensão.

Estava se consolidando como liderança nacional e, precocemente, saiu do cenário.

Temos o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), pessoa respeitada no Congresso e na sociedade, e vão surgir novos quadros.

Valor: Marina abraçará o PSB?

Câmara: Temos uma aliança programática e o programa está pronto.

Foi construído conjuntamente com o pessoal de Marina, então os valores do PSB vão estar presentes no governo dela.

O respeito dela por Eduardo também vai pesar.

Então, o PSB será figura ativa no governo de Marina.

Valor: Nos últimos dias, chegou-se a falar na possibilidade de sua chapa ser alterada.

A falta de unidade do grupo político comandado pelo PSB também contribui para sua desvantagem nas pesquisas?

Câmara: Tivemos um trabalho grande para fazer a aliança com 21 partidos.

A unidade está presente.

Ontem [SEGUNDA-FEIRA]tivemos demonstração muito forte e que será mantida.

Valor: O senhor não sente resistência ao seu nome entre partidos aliados e até militantes do PSB?

Câmara: Temos um alto grau de desconhecimento, então o empenho tem de ser cada vez maior.

Nosso pedido é sempre neste sentido, às vezes até injusto, mas faz parte da natureza do candidato.

Temos uma reta final.

São 47 dias de caminhada a ser feia de forma coesa.

Valor: O processo de escolha do seu nome deixou alguns insatisfeitos, entre os quais o atual governador, João Lyra.

Ele tem se dedicado à sua campanha?

Câmara: Tenho uma relação boa com João Lyra e sua família e ele tem sempre me apoiado.

Ele pediu o tempo dele, estava assumindo o governo em plena pré-campanha.

Mas desde o início oficial da campanha, ele tem participado dos atos e das reuniões de coordenação.

Estou tranquilo quanto ao empenho dele.