Foto: Diego Nigro/JC Imagem Desde a última quarta-feira, o colunista de economia o Jornal do Commercio, Fernando Castilho, escreve e fala sobre a tragédia que vitimou o candidato do PSB à Presidência da República, Eduardo Campos e mais seis pessoas entre elas os jornalistas Carlos Percol e Alexandre Severo, na sua coluna JC Negócios no JC, no programa da JC News e em colaborações para o Blog de Jamildo.

Na madrugada de ontem, às 2h, Castilho que não resistira à tentação da notícia foi para a Avenida Mascarenhas de Moraes ver o cortejo com os corpos e relatou a emoção das pessoas ao ver passar a caravana escrevendo mais um texto para o Blog.

Ontem, pela manhã, decidiu assistir à missa em homenagem às vítimas no meio da multidão.

Mas acabou vivendo uma emocionante experiência humana ao lado da também jornalista Cleide Alves, de ver como as pessoas simples reagiram à tragédia de Santos e como, anonimamente, homenagearam com seu choro incontido o ex-governador.

Seu relato segue abaixo Aquele choro estava travado desde quarta-feira.

Jornalista, por profissão, racionaliza a morte.

Trata-a como se não morresse.

Como se o valor da notícia seja mais importante do que tudo, ainda que por dentro esteja sentindo, sofrendo. É da natureza da profissão.

E muitos de nossos companheiros envolvidos no noticiário dessa tragédia nacional trataram as mortes de Percol e Severo racionalmente.

Era preciso informar tudo primeiro.

Revelar ao leitor, telespectador, ouvinte e internauta os fatos.

Funcionamos no piloto automático.

Por isso sai de casa as dez da manhã deste domingo pegando um transito livre para “catar” notícia.

Hoje, no Sistema Jornal do Commercio a gente primeiro captura a informação e depois vê em que plataforma ela vai ser distribuída.

Mas, ao chegar na Praça da República a paisagem começou a mexer comigo.

O que fazia as pessoas ficarem numa fila por dois quilômetros de forma civilizada e sem qualquer reclamação esperar pacientemente a vez de passar meio segundo à frente de um caixão, cuja única identificação de que ali estava o corpo de Eduardo Campos, era uma foto?

Por que pessoas anônimas estavam ali pacientemente espelhadas na praça, ouvindo os cânticos de preparação da missa a ser celebrada por Dom Fernando Saborido, se emocionando, catando e pranteando uma pessoa que conheciam pela TV ou pelo rádio como se fosse uma delas, enquanto nós assepticamente fazíamos nosso trabalho de reportagem?

A cerca das autoridades dividia os dois mundos.

De um lado o povo, de outro o poder.

Um pranteava o ídolo, o outro pensava racionalmente no amanhã.

Um se comportava perfeito diante das câmeras com sentimento estudadamente contido.

O outro chorava, dava gritos de Eduardo Guerreiro do Povo Brasileiro.

E chorava.

Sim, tinham senhoras que simplesmente se concentravam na missa e entoavam as músicas com uma familiaridade como as jovens cantam seus artistas.

A diferença é que elas faziam isso com uma referência tão firme que contagiava quem já nem lembrava da última missa em que esteve presente.

Gente de preto e de branco.

Gente preta e branca.

Gente de todas as cores.

Pessoas que traziam fotos de Eduardo Campos em alguma passagem de suas vidas.

Outras que nunca o tinham o visto pessoalmente.

Gente que chorava pelos personagens que nós reportávamos todos os dias.

E lá se foi Dom Saborido fazer o que lhe estava reservado.

Uma missa de corpo presente que, entoada por cânticos gregorianos, foi emudecendo a praça.

Foi quando me juntei à jornalista Cleide Alves, companheira do JC da Editoria de Cidades que confessou ter ido à praça homenagear seu amigo, Alexandre Severo.

Não estava de crachá.

Estava ali como cidadã e amiga de um jornalista como nós dois.

Escondi o meu de vergonha.

Alves estava me dizendo para esquecer a pauta, pois era dia de chorar Severo e Percol.

Ficamos ali mudos, ouvindo Dom Saborido mandar um recado, pontuado de simbolismo político, após ressaltar porquê Eduardo Campos lutava com tanta força.

E pudemos ver como as palmas assumiam um recado aos políticos presentes, pelo menos dois deles, adversários do morto, estavam ali presentes.Veio a homilia, ofertório, a comunhão e benção final e a gente firme ali, ouvindo cada palavra e se contendo até que veio a hora da praça cantar Noites Traiçoeiras, do Padre Fábio de Melo e a multidão inteira começou a chorar.

Não tinha mais como segurar.

Olhei para Cleide e desabafei: amiga, não dá mais para a gente ficar aqui segurando esse choro todo.

Eles eram nossos companheiros de profissão.

E os dois, no meio daquela multidão de pessoas anônimas, desabamos num choro torrencial, contido pôs dias em nome da profissão Um choro de dois velhos jornalistas escondido por quase 90 horas em que tanto eu, como ela represamos aquela imensa dor fingindo uma fortaleza inverídica para seres humanos.

Eu não sei se os nossos colegas envolvidos na cobertura resistiram mais que nós.

Talvez nem tiveram tempo para isso.

Eles estavam na pauta, nós não.

Mas, sei que sai dali me sentido bem melhor, assim como Cleide.

Até porque, no meio da multidão as pessoas também de olhos vermelhos pareciam confortadas na volta em silêncio para casa.

Talvez, Eduardo Campos tenham razão naquela frase-testamento quando diz que nós não podemos desistir desse povo.

Mas, o certo é que depois de tantas horas de apenas nos preocuparmos apenas com a notícia, todos precisamos em algum lugar, em algum momento, nos reservemos o direito de chorar pelo que nos são caros.

Pelo simples fato de que jornalista também precisa chorar.