Por Michel Zaidan Filho Em sua obra “Saturno nos trópicos”, o escritor judeu-comunista trata do temperamento (e do estilo) melancólico no Brasil. 0 temperamento saturnino é aquele que rumina os cacos da catástrofe, os rastros da destruição, para ressignifica-los e dá um novo sentido a eles.

O tempestade futebolística que se abateu sobre nós, com vários embates e duas derrotas consecutivas, foi muito proveitosa para a FIFA e a CBF que vai receber 44 milhões de prêmio da primeira.

A humilhante campanha da Seleção Brasileira na Copa do mundo podia ser objeto de uma ampla reestruturação da organização e gestão do desporto profissional no Brasil.

Reforma que deveria caminhar a par da reforma do sistema (e da cultura) político entre nós. 0 nosso país é um lugar onde a roubalheira organizada compensa, mesmo que milhares de pessoas sofram, passem fome ou chorem. 0 sistema legal funciona como uma fachada, que pune os miseráveis e protege os mais ricos, fortes e poderosos.

Passado o vendaval, é preciso voltar à realidade e prestar atenção ao que vem se passando à nossa volta: a invasão por terra do Estado de Israel aos territórios ocupados onde vivem os palestinos da faixa de Gaza, em condições sub-humanas.

Quanto vale a vida de três adolescentes judeus?

A vida de 200 palestinos (incluindo crianças, velhos e mulheres) e várias centenas de feridos?

Por que ninguém se importa com a vida dessas vítimas indefesas nos territórios já ocupados pelo Estado judeu? - Aplica-se a elas a frase da filósofa judia Hanna Arendt: são pessoas que já não têm lugar no mundo, são supérfluos e descartáveis.

Quem ainda se comove ou se preocupa com a imagem das crianças queimadas, feridas, destroçadas pelo armamento pesado das tropas israelenses? - Acham que a partida final da Copa do Mundo é mais importante do que a sorte dessas vítimas indefesas e inocentes? - O que não se sabe é a censura (ou auto-censura) dos telejornais, agencias de notícias e das próprias redes sociais das denúncias contra os gastos da Copa, as manifestações de rua e o massacre do povo palestino.

Se essa é a hora dos ruminantes, como diz o romance de J.J.

Veiga, então vamos ruminar criticamente os falsos alicerces da nossa cotidianidade e incorporar a dor (e a condenação moral) dos que sofrem, seja no Brasil - pelo mau uso dos recursos públicos, pela corrupção do sistema político-esportivo e a repressão ao seu direito de protestar - e fora do nosso país.

As crianças, as mulheres e os idosos mortos e feridos pelas tropas de Israel são os nossos mortos também.

PS.

Merece registro as medidas de exceção que estão sendo tomadas pelo estado brasileiro contra os manifestantes e críticos dos gastos da Copa.

Há uma estranha jurisprudência adotada pela polícia contra crimes “presumíveis”, adivinhados pelas autoridades policiais.

E onde fica o direito constitucional à presunção de inocência?