Por Gustavo Krause, especial para o Blog de Jamildo A glória e a tragédia passeiam de mão dadas no percurso histórico das nações.
De natureza distinta, elas têm um elemento em comum: jamais são esquecidas.
Oito de julho de 2014 será a data magna do massacre do futebol brasileiro.
Com efeito, o Brasil viveu (escrevo este artigo um dia após o jogo) noventa minutos de tortura emocional que ferrou a alma nacional para a eternidade.
E com os recursos tecnológicos atuais, sete imagens serão repetidas à exaustão como tem sido a patada mortal do uruguaio, Ghiggia, na Copa de 50, diante do mártir Barbosa.
As tragédias no futebol não se confundem com frustrações e decepções ocorridas nas copas em que não chegamos ao título.
Elas doem, ensinam, mas passam deixando cicatrizes suportáveis.
As tragédias ficam.
E podem ser transformadas em lições, forças transformadoras desde que vítimas e responsáveis, em maior ou menor grau, desejem enxergar a dimensão e a profundidade real da débâcle.
Merecidamente, o Brasil tornou-se conhecido como “o país do futebol”.
Deveu-se a perífrase a uma associação virtuosa: a conquista de títulos e a produção de atletas excepcionais em larga escala.
Vou poupar o leitor dos craques que foram campeões do mundo e puxar pela memória, tentando obedecer precariamente à linha do tempo (com a licença do mestre Arthur Carvalho, a enciclopédia): Friedenreich, Fausto (pérola negra), Domingos da Guia, Leônidas da Silva, Tim, Zizinho, Danilo, Ademir, Heleno de Freitas, Ademir da Guia, Falcão, Zico, Sócrates, Junior, Cerezzo, Marinho Chagas, Julinho, Dirceu Lopes, Evaristo, Luís Pereira, Careca e por aí vai.
De fato, o Brasil sempre encantou o mundo e foi respeitado pela obra dos seus Ocorre que vertiginosas mudanças da sociedade contemporânea virou o mundo de ponta-cabeça.
O tempo passou na janela e o Brasil parece não ter enxergado.
Vou mencionar apenas três fatores que, a meu juízo, exercem uma influência fortíssima sobre todo sistema social, particularmente, sobre o futebol: 1.
A espetacularização da sociedade.
Este fenômeno foi antecipado pela obra do francês Guy Debord, “A sociedade do Espetáculo” (1967).
O autor, de sólida formação marxista, anteviu a coisificação da pessoa humana e de, quebra, os valores burgueses todos submetidos à realidade espetacular.
Ele anteviu a frenética sociedade do consumo e o poder midiático invasivo e dominante na arte, na economia, na política e na vida cotidiana.
E o que tem isso a ver com o futebol?
Respondo com uma pergunta: qual o jogador, treinador, que virou estrela, tenha assumido atividades extracampo tão ou mais intensa do que a atividade atlética? É direito de o atleta explorar sua imagem.
Até onde?
Esta divisão atleta/pop star tem ou não influência no rendimento do jogador?
A resposta é um desafio a ser enfrentado.
Por enquanto sociedade do espetáculo tem entrado em campo e superado os arranjos táticos. 2.
O fenômeno da globalização e o negócio bilionário do futebol.
Ingenuidade pura imaginar que os esportes continuassem produtos de prateleiras de mercearia.
Porém, a quem aproveita este mercado?
O Brasil exporta o que tem de melhor e repatria a laranja chupada.
A seleção é uma legião estrangeira.
Com salários estratosféricos pagos (pagos?) por clubes, em regra, literalmente quebrados.
E aí entra o fator mais próximo e prejudicial ao futebol brasileiro: a gestão dos clubes. 3.
A gestão desastrosa dos clubes brasileiros.
Em geral, a gestão provoca uma situação insustentável.
E começa na forma irresponsável como são tratadas as divisões formadoras de atletas.
No mais, basta consultar os trabalhos do especialista em marketing e gestão esportiva Amir Somoggi.
Dele, basta citar um dado revelador do desastre: de 2003 a 2013 as dívidas dos 20 maiores clubes aumentaram 415%.
A tragédia, pois, começa fora do campo.
A Alemanha tem experiência sobre o assunto.
Ganhou 1954 com uma seleção de sobreviventes da II Guerra Mundial.
Em 2006, foi castigada dentro de casa.
Aprendeu a lição.
Cabe a nós com serenidade entender que o país do futebol é o Planeta Terra.
Todo mundo aprendeu a jogar.
Agora, é coragem para mudar.
Caso contrário, o raio caiu duas vezes no mesmo lugar e pode cair outras vezes sobre um povo olhando pro chão, mantida a inércia dos que mandam no futebol.