Da BBC Brasil A recente queda da produção e venda de automóveis e o anúncio de demissões no setor parecem ter disparado um alerta vermelho em Brasília.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já admite que o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos automóveis, reduzido em 2012, pode não voltar para a alíquota cheia em julho, como previsto. “Vamos avaliar a situação do mercado na véspera”, disse recentemente.
Também estão sendo estudadas medidas para ampliar o crédito para o setor e uma proposta da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) pela qual, para evitar demissões, fundos federais ajudariam a pagar os salários de funcionários com jornada reduzida por até dez meses.
Só este ano, as isenções fiscais concedidas ao setor automotivo devem chegar a R$ 2,8 bilhões, segundo a Receita Federal – o suficiente para pagar por três estádios da Copa e o mesmo valor do investimento em saneamento destinado a 635 municípios anunciado recentemente pela presidente Dilma Rousseff como parte da segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2).
E se o IPI não for recomposto, a conta pode aumentar.
Além disso, até 2017 estará em vigor o chamado Inovar-auto.
Trata-se do regime automotivo aprovado em 2012, que, de um lado, dá incentivos para empresas que cumprem metas relativas a investimentos em engenharia, pesquisa e desenvolvimento e eficiência energética.
Do outro, eleva para mais de 30% o IPI de veículos importados que extrapolem uma quota de 4,8 mil unidades. “E o setor automotivo ainda recebe outros benefícios, como financiamentos do BNDES, da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e reduções do imposto de importação (sobre seus insumos)”, acrescenta Fernando Sarti, diretor do Instituto de Economia da Unicamp.
Mas até que ponto as ajudas a montadoras fazem sentido?
Afinal, está na hora de rever a relação entre o governo e o setor, como defendem alguns especialistas?
Não é de hoje que as montadoras mantêm uma espécie de “relação especial” com Brasília. “Tais laços têm sido um dos eixos da industrialização brasileira desde seus primórdios, nos anos 50”, diz Nara Simone Roehe, da PUC-RS, que conduziu um estudo mostrando que na última década a participação do setor automotivo no PIB da indústria passou de 12% para 18%. “O que surpreende é que, ainda hoje, a produção de automóveis se beneficie de tantas proteções e ajudas, quando há muitas outras opções de setores que merecem atenção dos formuladores de política industrial e estão claros os custos sociais de se privilegiar o transporte individual sobre o coletivo.” A visão do governo parece ser a de que o modelo de industrialização puxado pelos veículos automotores, longe de estar ultrapassado, permite ao país promover um salto tecnológico em diversas áreas. “Essa é uma indústria integradora de tecnologias, diversificada e com potencial para impulsionar o desenvolvimento de áreas como engenharia, mecânica e eletro-eletrônica”, diz Paulo Sérgio Coelho Bedran, Diretor do Departamento de Indústrias de Equipamentos de Transporte do Ministério de Desenvolvimento (MDIC). “É como ouvi certa vez do ex-ministro Ozires Silva (um dos arquitetos da Embraer): se o Brasil não produzisse carros, não poderia produzir aviões”, reforça Luiz Moan, presidente da Anfavea.
Segundo Bedran, a possibilidade de promover um salto tecnológico no setor foi uma das motivações do governo para criar o Inovar-auto.
E a prova de que o programa estaria fazendo avanços seriam investimentos recentes anunciados por empresas como a BMW, a Nissan e a Mercedes.
Para o funcionário do MDIC, a experiência de outros países também ajudaria a responder a pergunta sobre a necessidade de ajudas e proteções ao setor. “Não é só o Brasil - todos os países querem atrair montadoras e não raro isso envolve a criação de incentivos”, diz ele. “Até o atual governo americano gastou bilhões para socorrer uma montadora (a GM) quando ela passou por dificuldades.” Já na avaliação de especialistas como Sérgio Lazzarini, do Insper, instituto de ensino e pesquisa, a eficiência de políticas como o Inovar-auto em alinhar a prática das empresas com os interesses da sociedade como um todo são questionáveis. “Para começar, tanto as metas de conteúdo nacional, quanto as de inovação são bastante complexas e difíceis de serem fiscalizadas”, opina.
Lazzarini e outros especialistas críticos da relação entre o governo e as montadoras não refutam o peso econômico e potencial do setor automotivo para puxar o crescimento do PIB e promover a disseminação de avanços tecnológicos, mas apenas questionam o uso de bilhões em incentivos e proteções para atrair essas empresas e ampará-las em conjunturas desfavoráveis.
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